SÃO PAULO - Um grupo de 143 advogados, dizendo representar muitos outros "que não puderam ser contatados", foi ontem ao encontro do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, para entregar um abaixo-assinado de apoio e solidariedade, visto que foi "inusitadamente atacado por manifestações de entidades profissionais" divulgadas na mídia.
Essas entidades, dizem eles, "deveriam demonstrar seu inconformismo na forma prevista pelas leis de processo e não com ataques públicos ao chefe do Poder Judiciário". Entregue pelo advogado Arnaldo Malheiros Filho, numa visita ao site "Consultor Jurídico", o texto traz ainda nomes como os de Ives Gandra Martins, Célio Borja, José Paulo Sepúlveda Pertence, José Eduardo Alckmin, Manuel Alceu Affonso Ferreira, Maurício Silva Leite e Tales Castelo Branco, entre outros.
Os advogados ressaltam, no documento, que "salvo nos casos excepcionais previstos e delimitados pela lei", as instituições "não incluem prisão sem julgamento". E os descontentes não se devem "enlutar quando um habeas corpus - este, sim, uma garantia constitucional fundamental - é concedido".
O manifesto reflete uma percepção de muitos outros juristas e advogados: a de que, se não há hoje no Brasil um estado policial, certamente há grupos espalhados, organizados e trabalhando ativamente para controlar os processos e reduzir as garantias individuais. Um deles é o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr., que considera "injustificável" a decisão do juiz paulista Fausto De Sanctis de determinar a prisão dos acusados na Operação Satiagraha da Polícia Federal. "Primeiro, porque não havia o sentido da urgência, visto que o processo se estende já por quatro anos", diz Reale Jr. "E segundo, porque a prisão para interrogatório não está prevista em lei. É só para casos excepcionais, como coleta de provas, por exemplo".
O inconformismo de tantos juízes e promotores, com a soltura de Daniel Dantas e outros acusados, diz Reale Jr., "cria um quadro perigoso, em que as instituições estão perdendo seus rumos". Algumas autoridades "não estão reconhecendo os seus limites. Estão querendo é criar os novos intocáveis."
A decisão do presidente do Supremo "não só foi irrepreensível como se revestiu de coragem, porque adotada contra o desejo de grande parte da opinião pública", prossegue Reale Jr. Ele acha grave "que venha o ministro da Justiça dizer que vai ser difícil Daniel Dantas provar sua inocência". Isso mostra "que ele já deu sua sentença para o caso, o que não é seu papel".
Para Manuel Alceu Affonso Ferreira, "estado policial é uma expressão dura, caricatural", para descrever "uma realidade que, de qualquer forma, está se desenhando, a partir da adoção de gravações como principal instrumento de provas em inquérito policiais". A solução do conflito é "criar logo uma regulação minuciosa, disciplinada" do uso dos grampos".
A falta dessa regulação "é que leva ao uso e divulgação indiscriminada de todo tipo de informação ainda não avaliada". Parece que já esqueceram, diz Manuel Alceu, "que a Constituição estabelece a inviolabilidade da comunicação telefônica". É inadmissível, em seu entender, "a edição de trechos de uma conversa gravada, em que se escolhem pedaços fora do contexto para dar uma impressão não verdadeira".
O veterano criminalista Paulo Sérgio Leite Fernandes perfila-se também na defesa de Mendes. Batalhador, desde a luta dos anos 60 contra o regime militar, das garantias individuais, Fernandes se diz preocupado: "Depois de tanta luta, em vez de caminharmos para desfrutar cada vez mais democracia o que assistimos é a volta do regime persecutório. O grave, nisso tudo, é que o povo não percebe que é ele o prejudicado. É ele que está perdendo, cada dia um pouco, a sua liberdade", adverte Leite Fernandes.
O criminalista vê um conjunto de pequenos e grandes controles apertando o indivíduo por todos os lados. "Na multa do trânsito, na imposição do bafômetro, nas câmeras colocadas nos faróis, nas buscas e apreensões nas casas, na multiplicação indiscriminada de grampos, parece que há um contágio que vai juntando no mesmo barco policiais, promotores, juízes".
Isso tudo, para Fernandes, teve origem na Constituinte, que foi criada num embate entre lobbies. "O Ministério Público montou o seu, os juízes o deles, e isso resultou em poder imenso dos órgãos persecutórios". O caso Dantas "é o menos importante na história", diz o criminalista. "O que se deve perceber é o movimento de "muitos pequenos círculos secretos, que de fato mandam".
Fonte: Tribuna da Imprensa
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