Em mais de 130 anos de República, a escolha de ministros do Supremo nunca despertou tanto interesse na sociedade. Isso se deve ao descortinamento e agigantamento da participação do tribunal na agenda nacional, a midiatização dos julgamentos e a postura holofótica dos ministros.
Nos últimos dias, os bastidores esquentaram com a polemização criada em torno da indicação ao Senado do nome do advogado Cristiano Zanin Martins pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na última quinta-feira, 1º, para ocupar a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski no dia 11 de abril, após 17 anos de serviços prestados na mais alta Corte do Poder Judiciário.
Em suma, a discussão se concentra fundamentalmente no fato de que o indicado fora o advogado particular do presidente nas ações penais decorrentes da controvertida Operação Lava Jato, coordenada pelo então procurador da República Deltan Dallagnol e pelo ex-juiz federal Sérgio Moro, hoje políticos.
Com 47 anos, Zanin é filho do advogado Nelson Martins, nasceu em família de classe média no interior de São Paulo, onde estudou o ensino médio. Formou-se em Direito pela PUC-SP e se especializou em Direito Processual Civil, com atuação na área do Direito Comercial e Empresarial, especialmente em causas de recuperação judicial de empresas.
É casado com a advogada Valeska Zanin Martins, filha do também advogado Roberto Teixeira, compadre e amigo próximo do presidente Lula há mais de 40 anos, de quem ela é afilhada de pia batismal. Com ela, Zanin é pai de três filhos.
Trabalhou como advogado no tradicional escritório de advocacia Teixeira Martins, pertencente ao sogro, que lhe abriu as portas da popularidade ao lhe indicar para a defesa criminal do amigo Lula. Atualmente, é sócio da esposa no escritório de advocacia Zanin Martins Advogados.
Despontou nacionalmente no meio jurídico pelo exercício corajoso, perseverante e vitorioso da defesa técnica do então ex-presidente Lula, enquanto principal alvo lavajatista, onde rivalizou com Dallagnol e enfrentou o todo-poderoso Moro e sua inescondível parcialidade, doravante escancarada pela vaza jato.
Sustentou a tese de que os processos criminais eram resultados do lawfare, estratégia de uso arbitrário do direito para deslegitimar, prejudicar ou aniquilar um inimigo. Em sua atuação, Zanin emplacou teses importantes no STF, como a inconstitucionalidade da condução coercitiva de investigados.
Obstinado, ganhou a confiança de Lula, especialmente quando este esteve preso por 580 dias, por força de vacilante mudança de entendimento do STF em relação a presunção da inocência, que permitiu a execução provisória de sentença penal condenatória antes do trânsito em julgado, ou seja, na pendência de recursos, a famigerada prisão em segunda instância, posteriormente, revertida pelo retorno do STF ao entendimento anterior.
Mas o que está por trás dessa polemização? Sem dúvida, a polarização política e a divergência ideológica. Particularmente, não enxergo razões normativas para tanto, afinal a indicação de ministro do STF deve obedecer, exclusivamente, aos requisitos constitucionais e, nesse caso, estou certo de que ela os preenche.
Os requisitos para a investidura no cargo de ministro do STF estão estabelecidos no artigo 12, § 3º, inc. IV, c/c art. 101 da CF/88. Isto é, ser brasileiro nato, ter mais de 35 e menos de 70 anos de idade, possuir reputação ilibada e notável saber jurídico. Daí, preenchidos os requisitos, a indicação presidencial é discricionária. Assim, considerando a subjetividade, não verifico inconstitucionalidade.
Sem razão jurídica, levantam-se vozes contra a indicação, sob o argumento de ofensa ao princípio da impessoalidade ou da moralidade, por se tratar de advogado particular do presidente. Ora, se a Constituição não fez tais ressalvas, elas não existem.
Em tese, podemos discordar dos critérios constitucionais, mas devemos respeitar a indicação que os atende. Por outro lado, dentro da liberdade de opinião, mesmo à míngua de dados, pode-se até debater subjetivamente a posse ou não dos predicados. Alguém pode achar que o Zanin não tem reputação ilibada ou não possui notável saber jurídico, mas seria mera opinião, desprovida de concretude e serventia institucional.
Particularmente, ciente de que ela pode importar apenas a mim, tenho opinião formada sobre a indicação. Embora Zanin não tenha manifestado publicamente seu entendimento sobre temas importantes, isso não macula a sua indicação, afinal, naquilo que fora testado foi aprovado e com louvor...
A discussão da indicação pode nos render bom debate numa roda de conversa ou mesa de botequim, mas, por prerrogativa, a opinião que vale é do presidente da República. No entanto, vale dizer que, diferentemente do cargo de ministro de Estado, demissível ad nutum, a indicação de ministro do STF precisa da aprovação de maioria absoluta do Senado, após sabatina na Comissão de Constituição e Justiça.
A história mostra que dentre aproximadamente 300 indicados pelos presidentes da República para uma cadeira no STF, apenas cinco tiveram seus nomes rejeitados pelo Senado, todos no Governo Floriano Peixoto.
Em dois mandatos presidenciais anteriores, Lula indicou oito ministros para o STF: Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Lewandowski, Cármen Lúcia, Carlos Alberto Menezes Direito e Toffoli. Destes, apenas dois compõem a corte atualmente.
Diferentemente das outras, mais de década depois, a nona indicação de Lula apresenta características peculiares que a tornam singular. Esta é eminentemente pessoal, baseada em critério subjetivo de confiança legítimo, simplesmente porque atende a Constituição.
Muitos críticos - inclusive, nos bastidores do próprio PT - não viram com bons olhos a indicação de Zanin. Alguns reclamam por achar que seria a oportunidade ideal para sinalizar a inclusão e representatividade, por exemplo, indicando uma mulher negra para a Corte, tal qual fora feito em nomeações anteriores, quando Lula indicou Barbosa, o primeiro negro no STF, e Cármem Lúcia, que embora não tenha sido a primeira mulher na corte - posto inaugurado por Ellen Gracie Northfleet, indicada por FHC -, era a única naquela composição. Entretanto, dessa vez, o critério da confiança pessoal falou mais alto. Outros, partindo de premissa equivocada, apontam questões curriculares, como ausência de títulos acadêmicos, mestrado e doutorado, como se fossem credenciais indispensáveis. Não se nega a importância meritória das titulações, mas não se pode perder de vista que se trata de escolha de juiz, não de prova de títulos para seleção de professores. Aliás, ministros como Celso de Melo, Dias Toffoli, Rosa Weber não detinham tais títulos.
Embora não seja atividade principal, Zanin lecionou em cursos de Direito, escreveu e publicou obras: Lawfare: uma Introdução. São Paulo: Contracorrente. 2019 (em coautoria com Valeska Teixeira Zanin Martins e Rafael Valim); Lawfare: Waging War through Law. Nova Iorque, Routledge, 2021; Lawfare: La guerra jurídica. Buenos Aires: Editorial Astrea SRL, 2020; O Caso Lula - A Luta pela Afirmação dos Direitos Fundamentais no Brasil. São Paulo: Editora Contracorrente, 2017 (coordenador, junto a Valeska Teixeira Zanin Martins e Rafael Valim); El caso Lula. Buenos Aires: Editorial Astrea SRL, 2017.
Quanto à composição, há muito o STF carece de criminalistas, como foram os gigantes Evandro Lins e Silva e Nelson Hungria. Embora Zanin não seja propriamente um, pois pautou sua carreira na advocacia empresarial, destacou-se brilhantemente na atuação criminal. Apresentou-se como jurista garantista, estudioso, técnico, equilibrado, combativo e discreto, o que traz expectativas positivas para oxigenação do plenário com ares vanguardistas, contramajoritários e democráticos.
Se não traz biografia gigantesca como credencial, tal qual Ayres Britto, Eros Grau, Gilmar Mendes, Barroso e outros, certamente a construirá no cargo, como profetizou o presidente ao assegurar que será um grande ministro.
Se seu trunfo é a atuação vitoriosa no processo de maior importância da história política brasileira, não se trata porém da única. Esteve à frente da recuperação judicial da Varig, da falência da Transbrasil, do acordo de leniência da J&F, do espólio do fundador da Caloi. Defendeu o governador de Alagoas Paulo Dantas, o ex-governador de Goiás Marconi Perillo, o senegalês Lamine Diack e o cartunista Nando Motta, dentre tantos outros casos.
Saliente-se que outras indicações também foram questionadas e sofreram duras críticas à época, como por exemplo as de Toffoli, André Mendonça e Rosa Weber - esta última, não obstante fosse ministra do TST, suportou dura sabatina no Senado para vir a se tornar ministra exemplar.
Por sua vez, o festejado ministro Celso de Melo, quando indicado, era promotor de justiça paulista desconhecido, mas que oficiara em cargos administrativos na Presidência de Sarney e dele conquistou a confiança e a indicação para vir a ser referência na corte suprema.
Com efeito, a alegada ironia da indicação de advogado empresarial pelo maior líder da esquerda brasileira, fundador do Partido dos Trabalhadores, também não me chama a atenção pejorativamente. Ao contrário, recebo animado a alvissareira notícia de indicação de advogado militante para a Suprema Corte. Ademais, Zanin conta com apoios importantes de ministros do STF, do presidente do Senado, do CFOAB e juristas de escol.
Com relação à jovem idade e ao longo tempo no Supremo – 28 anos -, também não vislumbro óbice legítimo. Trata-se de regra posta, obedecendo ele os requisitos objetivos de idade da Constituição. Lembrando que tantos outros entraram mais novos e permaneceram mais tempo como Celso de Melo, Marco Aurélio e Toffoli…
Em relação a proximidade com o presidente, não vejo problema. Aliás, exemplos recentes mostram que intimidade nunca foi empecilho para a indicação. Ao contrário, quase sempre foi regra, basta atentar para as duas feitas por Bolsonaro. Até primo de presidente foi indicado, é o caso de Marco Aurélio por Collor. Por outro lado, a proximidade não significa parcialidade dos indicados frente ao indicante. O próprio Lula é exemplo disso.
Por fim, vez por todas, é preciso ter em mente que a nomeação de ministro do Supremo não é feita mediante concurso público, mas sim pelo exercício da prerrogativa presidencial de indicação - atendidos os requisitos constitucionais - controlada pelo Senado.
Óbvio que existem vários juristas preparados para o cargo, mas o escolhido foi o colega Zanin, que, ao meu ver, também está. Portanto, concorde ou não leitor, assim como eu, você pode até ter outras preferências, mas, (in)felizmente, não temos a prerrogativa da escolha. Aguardemos a sabatina senatorial e as cenas dos próximos capítulos!
Foto: © Rovena Rosa/Agência Brasil
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