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Clã dividido menos de duas semanas depois de prisão
Pedro do Coutto
A política, já dizia Magalhães Pinto, “é como nuvem: muda de forma e de direção a todo instante”. A metáfora nunca pareceu tão precisa quanto agora, quando o campo bolsonarista vive uma turbulência interna de intensidade inédita. A aliança familiar que sustentou Jair Bolsonaro no auge – marcada por fidelidade pública, agressividade coordenada e disciplina partidária – dá sinais claros de desgaste, expondo fraturas que se tornaram impossíveis de esconder.
Nos últimos dias, Flávio, Eduardo e Carlos Bolsonaro se uniram não para defender o pai, tampouco para barrar adversários, mas para criticar frontalmente a atuação da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro nos rumos do PL. O estopim foi a intervenção de Michelle no Ceará. Ao viajar ao Estado e desautorizar um acordo articulado entre o PL e setores do PSDB ligados a Ciro Gomes, ela reacendeu uma fissura que vinha fermentando nos bastidores: quem realmente dá as cartas no bolsonarismo quando Bolsonaro está politicamente fragilizado?
INCÔMODO – Fontes com trânsito no PL e reportagens vêm registrando o incômodo da bancada bolsonarista com o crescente protagonismo de Michelle, sobretudo desde a prisão do ex-presidente e o desgaste acumulado com sua condenação. A família, que sempre operou como núcleo duro e centralizador do movimento, agora se vê dividida entre o estilo expansivo da ex-primeira-dama e o instinto de autopreservação dos filhos, que tentam reorganizar o tabuleiro eleitoral preservando seus próprios caminhos.
A crise escalou a ponto de exigir uma reunião emergencial em Brasília com Michelle, Flávio Bolsonaro e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto. Parlamentares do partido já articulam um documento conjunto para registrar oficialmente a insatisfação. O clima interno é descrito como de “bomba estourada” – expressão usada por dirigentes ao reconhecer que o episódio da tornozeleira eletrônica, seguido da prisão e da derrocada política de Jair Bolsonaro, deixou o campo órfão de comando e vulnerável a disputas internas.
CONFRONTO – Os conflitos não são apenas discursivos. Eles já se materializam em cenários eleitorais concretos. No Ceará, Michelle confrontou diretamente o acordo com aliados de Ciro Gomes, movimento que desagradou aos três filhos. No Distrito Federal, o apoio da ex-primeira-dama a Bia Kicis cria ruídos para a estratégia do governador Ibaneis Rocha.
Em Santa Catarina, a situação tornou-se ainda mais sensível: Michelle apoia Carol de Toni ao Senado, enquanto Bolsonaro tenta viabilizar o próprio filho Carlos Bolsonaro como candidato no mesmo Estado. Uma disputa direta nas urnas – algo impensável até pouco tempo – tornou-se, de repente, uma possibilidade real.
RUPTURA – A transferência do domicílio eleitoral de Carlos para Santa Catarina pode até ser contestada, mas o ponto central está além da tecnicalidade jurídica: é o simbolismo da ruptura. Pela primeira vez, a família Bolsonaro opera em linhas paralelas, com estratégias que se chocam publicamente. A unidade que alimentou o mito dá lugar ao ruído que ameaça sua própria sobrevivência política.
Como destacaram Merval Pereira e outros analistas, a crise não se limita a divergências pontuais. Ela revela um redesenho do bolsonarismo num momento de fragilidade. Sem Bolsonaro no comando direto, com a Justiça fechando o cerco contra velhos aliados e com o PL tentando se reposicionar para 2026, a disputa por protagonismo se intensifica.
RESISTÊNCIA – Michelle, impulsionada por setores evangélicos e pela memória afetiva do eleitorado conservador, tenta ocupar o espaço deixado pelo marido. Os filhos, pressionados por seus próprios projetos políticos, resistem.
A nuvem mudou. E, ao que tudo indica, tende a mudar ainda mais. Se a família Bolsonaro não reencontrar seu eixo, o movimento que moldou a política brasileira nos últimos seis anos pode enfrentar o seu momento mais delicado — não por ataques externos, mas por implosão interna.