No dia 8 de janeiro de 2023, a especialista em marketing digital Ana Paula de Souza saiu de Florianópolis, em Santa Catarina, para integrar a horda bolsonarista que invadiu o Palácio do Planalto durante o ataque à Praça dos Três Poderes, em Brasília.
A viagem não terminou bem. A Polícia Militar do Distrito Federal prendeu Ana Paula dentro do Palácio do Planalto. Liberada para responder o processo judicial em liberdade, agora ela está detida na Argentina. Eu tive autorização para entrevistá-la e perguntei o que levou ela a fazer parte do 8 de Janeiro.
Ana Paula afirmou que apenas exigia transparência no sistema de votação. “É meu direito constitucional. Eu achava que o Brasil era uma democracia. Por que não posso questionar?”, ela me perguntou.
Depois de ser condenada pelo STF a 14 anos de prisão, Ana Paula contou que, em fevereiro de 2024, rompeu sua tornozeleira eletrônica e fugiu para a Argentina, onde entrou como turista. Segundo ela, ninguém a ajudou: só contou à família onde estava depois que chegou.
Há mais de 100 brasileiros, condenados ou acusados por participação na tentativa de golpe, que tomaram a mesma decisão, confiando que o governo de Javier Milei, um grande aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, os receberia de braços abertos.
Apenas em 2024, 181 brasileiros solicitaram asilo político na Argentina por meio da Comissão Nacional de Refugiados, a Conare. Mas, em novembro de 2024, o juiz federal Daniel Rafecas ordenou a prisão de 61 condenados pelo golpe que estavam no país. No mesmo mês, cinco deles, entre eles Ana Paula, foram presos.
A audiência que decidirá a extradição deles acontece na próxima quarta-feira, 3. O desfecho será decisivo não apenas para os cinco bolsonaristas, mas também para a já delicada relação entre a Argentina de Javier Milei e o Brasil do presidente Lula.
O julgamento da extradição, inicialmente marcado para 18 de junho pelo tribunal de Rafecas, já foi adiado três vezes. A primeira porque coincidia com uma marcha convocada por apoiadores da ex-presidente Cristina Kirchner; a segunda porque o governo brasileiro solicitou ser parte no processo; e a terceira porque um dos advogados dos presos pediu a suspeição do juiz, sem consultar o restante das defesas.
“Eles nos torturam, marcam uma data e cancelam um dia antes como se nada tivesse acontecido, sempre com desculpas absurdas”, disse Ana Paula, de dentro da Penitenciária de Ezeiza, onde está presa há um ano.
Além dela, serão julgados Joelton Gusmão de Oliveira (condenado a 17 anos), Rodrigo de Freitas Moro Ramalho (14 anos), Joel Borges Correa (13 anos) e Wellington Luiz Firmino (17 anos). Após a audiência, o tribunal terá três dias úteis para definir a sentença.
Caso a extradição seja aceita, resta ainda um recurso à Suprema Corte argentina. Depois disso, a decisão final cabe ao Poder Executivo — ou seja, a Javier Milei.
Também ouvi a advogada Carla Junqueira, que defende Ana Paula e Rodrigo Moro. Ela afirma que “o Brasil não respeitou o devido processo legal” nos julgamentos do 8 de Janeiro. Segundo ela, houve “desproporção na dosimetria das penas” e “influência política nas condenações”.
Mas fontes do Judiciário argentino discordam. “São condenados com sentença definitiva do tribunal máximo do Brasil. Além disso, fugiram para evitar a pena”, afirma uma das fontes, acrescentando que os crimes atribuídos a eles também existem na legislação argentina, o que viabiliza a extradição.