Publicado em 8 de novembro de 2024 por Tribuna da Internet
Jamil Chade
do UOL
Quando Donald Trump assumir o poder em 2025, ele retornará à Casa Branca não apenas com um mandato reforçado por uma ampla vitória do voto popular. Mas também com o controle do Senado americano e, possivelmente, com uma maioria na Câmara de Deputados.
Sua presidência, portanto, testará a própria democracia e a capacidade das instituições de barrar uma concentração de poder que ameace o Estado de direito e a república. Não por acaso, em seu discurso reconhecendo a derrota, Kamala Harris fez um apelo aos americanos a manter a lealdade à constituição americana, e não a um presidente.
INIMIGO DE DENTRO – Acusado de ser um “fascista” por parte dos democratas, Trump alertou que poderia usar as forças armadas contra manifestantes e que lutaria contra o “inimigo de dentro”, num recado a dissidentes americanos.
Trump ainda avisou: colocaria seus inimigos políticos na cadeia e, se necessário, seria um “ditador por um dia”.
Desde a eclosão de seus resultados, na madrugada entre terça-feira e quarta-feira, os analistas políticos dos EUA constatam que, apesar de suas aberrações, Trump mostrou que não foi um ponto fora da curva na eleição de 2016. Alimentado por um sistema de desinformação, ele ganhou agora com um movimento de massa, não com uma campanha de propostas políticas.
DIAS MELHORES – Usou a situação econômica e prometeu dias melhores para milhões de americanos abandonados pelo país. Para a surpresa das alas progressistas, Trump conseguiu atrair uma parcela dos votos de latinos e afro-americanos, tradicionais eleitores dos democratas.
Para o senador Bernie Sanders, não há motivo para que o partido de Harris se surpreenda com o abandono de seu eleitorado da classe trabalhadora. Para ele, foi o partido que se distanciou de sua base. As urnas foram as consequências disso.
Sanders não foi o único a denunciar que o rei estava nu. Sua declaração reabriu o debate nos EUA sobre o papel dos movimentos políticos e sua relação com os trabalhadores. Movimentos sociais e ativistas também trocaram acusações, enquanto a autópsia da derrota era realizada.
UM ALERTA – Nada, porém, é exatamente novo. No final dos anos 90, Richard Rorty constatou que, “os membros de sindicatos e os trabalhadores não qualificados não organizados perceberão, mais cedo ou mais tarde, que o governo não está nem tentando impedir que os salários afundem ou que os empregos sejam exportados”.
“Na mesma época, eles perceberão que os trabalhadores de colarinho branco dos subúrbios – eles próprios desesperadamente temerosos de serem reduzidos – não permitirão que sejam tributados para fornecer benefícios sociais a ninguém mais”, disse, numa referência à obra do escritor Edward Luttwak.
“Nesse momento, algo vai acontecer”, alertou. “
HOMEM FORTE – O eleitorado não suburbano decidirá que o sistema fracassou e começará a procurar um homem forte em quem votar – alguém disposto a garantir que, uma vez eleito, os burocratas presunçosos, os advogados complicados, os vendedores de títulos superpagos e os professores pós-modernistas não estarão mais dando as ordens”, disse.
Ele lembrou como estudos apontavam para o risco de que democracias industrializadas caminhassem para um período semelhante ao de Weimar, no qual os movimentos populistas provavelmente derrubarão governos constitucionais. O fascismo, assim, poderia ser o futuro americano.
As transformações iriam além. Segundo ele, os ganhos obtidos nos últimos quarenta anos pelos americanos negros e pelos homossexuais seriam eliminados. “O desprezo jocoso pelas mulheres voltará à moda. As palavras “nigger” voltarão a ser ouvidas no local de trabalho. Todo o sadismo que a esquerda acadêmica tentou tornar inaceitável para seus alunos voltará com força total”, disse. “Todo o ressentimento que os americanos mal educados sentem por terem suas maneiras ditadas por graduados universitários encontrará uma saída”, sentenciou. Resta saber se a democracia sobreviverá.