Marlen Couto
O Globo
Pelo segundo ano consecutivo, o Brasil registrou piora na percepção de corrupção e caiu dez posições no ranking anual elaborado pela Transparência Internacional, movimento global com foco no tema. A nota brasileira ficou em 36 pontos, dois a menos que o contabilizado em 2022, e o país ficou na 104ª colocação entre 180 nações avaliadas. Os dados foram divulgados nesta terça-feira.
Com o resultado, o Brasil ficou abaixo da média global (43 pontos), das Américas (43) e de países com democracias consideradas “falhas”. Também atingiu índice semelhante aos da Ucrânia, Argélia e Sérvia e inferior aos da Etiópia, Bielorrússia, Marrocos, Índia, Vietnã e Cazaquistão.
DINAMARCA É EXEMPLO – A pontuação considera uma escala que vai de 0 a 100. O indicador agrega dados de diferentes fontes e traduz as percepções de empresários e especialistas sobre o setor público dos países. O ranking é liderado pela segunda vez seguida pela Dinamarca, que atingiu 90 pontos.
Gerente da Transparência Internacional Brasil, Guilherme France afirma que os fatores negativos que contribuem para o resultado abaixo da média não ficam restritos apenas a um Poder, mas envolvem tanto o governo federal quanto o Legislativo e Judiciário do país.
O resultado também não sofre influência apenas de acontecimentos de 2023, mas é “reflexo de um processo histórico mais amplo” de desestruturação de marcos legais e institucionais de combate à corrupção no período recente.
DESDE A LAVA JATO – O Brasil registrou piora no combate à corrupção nos últimos anos frente a 2012 e 2014, com a Lava Jato, quando atingiu seus melhores desempenhos no índice, segundo a série histórica do levantamento. A nota brasileira é hoje sete pontos menor, na comparação com o pico alcançado pelo país nos dois anos.
— O processo de reestruturação e reconstrução não acontece do dia para a noite, mas demanda tempo e a atuação proativa das instituições — pontua France.
Em relação ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o relatório da organização defende que “o país vem falhando” na reconstrução dos mecanismos de controle jurídico e político, após desmontes no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ao mesmo tempo que “vem demonstrando avanços na recuperação do controle social da corrupção”.
ZANIN E GONET – Como pontos negativos, a Transparência Internacional lista a nomeação de Cristiano Zanin, advogado pessoal de Lula, para a primeira vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) e a opção do presidente por ignorar a lista tríplice da categoria na escolha de Paulo Gonet como novo procurador-geral da República.
O movimento afirma que Lula “preferiu repetir o método de escolha política de Bolsonaro, cujos efeitos desastrosos ainda são sentidos no país”. Também critica a pressão do governo pelo afrouxamento da Lei das Estatais.
“Os efeitos já começaram a ser sentidos na principal empresa brasileira e foco de macro esquemas de corrupção, a Petrobras, com afrouxamento de regras de blindagem política no estatuto da companhia e nomeações de gestores atropelando vetos do departamento de compliance, inclusive indivíduos investigados por corrupção”, diz o documento.
LIÇÕES NÃO APRENDIDAS – Na avaliação de France, problemas evidenciados pela Lava-Jato, que tem sofrido reveses e críticas por parcialidade, não foram endereçados de forma sistêmica e há reversão de reformas que haviam sido implementadas.
— A Lei das Estatais vem em resposta à Lava-Jato, colocando restrições à indicação de políticos para altos cargos. A gente viu no último ano uma decisão liminar monocrática que suspendeu a aplicação dessas restrições, reintroduzindo a estatais no jogo político de disputa por apoio político no Congresso. É como se a gente não tivesse aprendido as lições que os grandes casos de corrupção evidenciam. — afirma o gerente da Transparência Internacional Brasil, que acrescenta:
— Criou-se uma estigmatizarão da discussão sobre a luta contra a corrupção como se fosse algo pertencente a um determinado lado do espectro político, quando deveria ser uma missão e um propósito de todos os atores do espectro político e política de Estado.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Detalhe importante: o levantamento do ranking foi feito antes de Lula tentar impor a escolha de Guido Mantega para presidir a Vale, uma empresa privada. Recorde-se que Mantega foi condenado pelo Tribunal de Contas da União e não pode ter cargo público até 1930. Se pudesse, teria sido nomeado por Lula desde o início do governo. (C.N.)