STF, que vem prorrogando inquéritos permanentemente, reembaralha as cartas todo o tempo
Por César Felício (foto)
A operação da Polícia Federal que teve como alvo o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos) foi desencadeada horas depois do lance inaugural do clã para as eleições desse ano, uma "superlive" (expressão deles) de Carlos, do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e do ex-presidente Jair Bolsonaro. Por coincidência, transmitida da mesma casa em Angra dos Reis (RJ) de onde o patriarca e Carlos foram encontrados durante o mandado de busca e apreensão.
Essa circunstância, em um primeiro momento, energiza a base eleitoral da extrema-direita no Brasil. Assim como acontece com a de Donald Trump nos Estados Unidos, também sob cerco judicial. Assim como aconteceu com a do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando foi preso em 2018.
Como “Carluxo” sabe de cátedra, o eleitor capturado por uma liderança carismática seleciona os fatos nos quais acredita. Só ganha o selo de verdade aqueles acontecimentos que coincidem com suas vontades.
O problema são as consequências objetivas que podem surgir depois de vencido o curto prazo. Lula não pôde concorrer em 2018 e Bolsonaro está inelegível. Uma condenação judicial ou mesmo prisão de Trump nos Estados Unidos tende a inviabilizar sua eleição. O vereador Carlos Bolsonaro não dispõe de foro privilegiado e uma condenação tende a interromper sua carreira política ao menos por um tempo, dentro de médio ou longo prazo. Além do caso Abin ser potencialmente muito mais letal para o grupo político do que outros escândalos.
Bolsonaro, seus aliados e seus familiares são suspeitos de aparelhar o Estado para perseguir inimigos políticos, fazer proselitismo e obstruir a Justiça. É difícil imaginar algo mais grave. Perto disso a venda de relógios recebidos de presente torna-se um episódio minúsculo. No caso dos dados que teriam sido obtidos ilicitamente da Abin, é possível que estejamos diante de um “smoking gun”, algo que não se tem na outra grave suspeita que envolve o ex-presidente, que é a de ter tentado um golpe de Estado para não passar o poder para seu adversário.
A ação dessa segunda-feira contra Carlos também demonstra que a Lava-Jato pode ter terminado, mas o Judiciário continua caindo como uma lâmina no cenário político. O Supremo Tribunal Federal, com os inquéritos que toca sendo permanentemente prorrogados, reembaralha as cartas todo o tempo.
Por isso mesmo entre aliados de Lula a ofensiva do Judiciário contra seus opositores é vista com uma ponta de apreensão há algum tempo. “Pau que dá em Chico dá em Francisco”, comentou recentemente um veterano dirigente do PT.
Valor Econômico