O ex-diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e delegado da Polícia Federal Alexandre Ramagem passou meses se esquivando de jornalistas em Brasília desde que tomou posse, em fevereiro de 2023, no cargo de deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro - a Agência Pública, por exemplo, tentou ouvi-lo várias vezes, sem resposta.
Na semana passada, em meio às investigações da Polícia Federal sobre o uso do programa de computador First Mile, Ramagem apareceu ao vivo no canal de televisão a cabo GloboNews. Em uma entrevista de 15 minutos, defendeu-se das suspeitas e jurou inocência. No final, contudo, fez uma revelação perturbadora, que precisa ser investigada em todos os detalhes. Pela primeira vez desde a criação da Abin, em 1999, um alto dirigente da agência admitiu que ela faz, sim, “análise de inteligência de pessoa”, ou seja, a agência identifica, separa e produz documentos sobre cidadãos.
Por intuição e também a partir das diversas reportagens jornalísticas publicadas ao longo dos últimos anos, até as pedras portuguesas da Praça dos Três Poderes já sabiam. Mas ouvir isso da boca do próprio ex-diretor-geral da Abin coloca tudo em outra perspectiva. “Análises” sobre cidadãos remetem aos piores momentos do famigerado SNI (Serviço Nacional de Informações) da ditadura civil-militar. Quem foram as pessoas “analisadas” no governo Bolsonaro? O que foi escrito sobre elas? Onde estão os documentos?
Se um ocupante de cargo de chefia na Abin pode determinar um trabalho de inteligência sobre um cidadão, conforme explicado por Ramagem na entrevista, está aberta a porta para a pura perseguição ideológica. Relatórios ou “análises” produzidos pelos serviços de inteligência não se submetem ao acompanhamento do Poder Judiciário. O único “controle externo” ao qual a Abin aceita se sujeitar é fake (uma comissão inoperante e desinformada, comandada há anos pela direita no Senado Federal, conforme argumentei na newsletter de outubro de 2023).
Na parte final da entrevista à Globonews, o jornalista Octavio Guedes indagou a Ramagem sobre a informação contida na decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes de que um currículo da promotora de Justiça que atua no caso Marielle Franco, Simone Sibílio, teria sido confeccionado pela Abin e encontrado pela PF durante as investigações.
Ramagem respondeu da seguinte forma: “A inteligência, ela é coleta de dados e de informações. Se tem no servidor [de dados de informática], e eu não sei quem acessou, tem que verificar [com] a Polícia Federal, quem alimentou e quem retirou, quem colocou, quem é a pessoa que botou o currículo da promotora e perguntar a essa pessoa o porquê. E como eu falei, tem que haver uma organização de procedimento. Se você vai fazer uma análise de inteligência sobre pessoa, tem que ter alguma provocação de uma chefia, de uma direção e a finalização e a conclusão. E é isso que nós estávamos levando e cobrando da Abin que não estava sendo feito”, disse Ramagem.
Infelizmente a entrevista acabou naquele exato momento sem maiores explicações do entrevistado. Restam muitas dúvidas. Quantas e quais pessoas passaram por “análise de inteligência” da Abin na gestão de Ramagem? Quais foram os chefes ou diretores que autorizaram tais trabalhos? Quais são os critérios utilizados pela Abin para escolher a pessoa a ser alvo de uma análise? Para onde ela é dirigida e quais seus efeitos?
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