Publicado em 28 de dezembro de 2023 por Tribuna da Internet
Marcelo Copelli
Enquanto grande parte da população ainda é alvo da falta de condições básicas que assegurem a dignidade de dispor de alimentação, saúde, segurança, moradia e transporte, entre outros, deputados federais, no primeiro ano de mandato, gastaram com autopromoção a exorbitante e vergonhosa cifra de R$ 79 milhões dos cofres públicos. O valor recorde, considerando a série histórica, e não inclui o mês que já termina, foi direcionado, sobretudo, para a impressão de panfletos.
O total astronômico corresponde a mais de um terço do total de R$ 216 milhões usado com a cota parlamentar, destinada a custear as regalias dos mandatos e a cobertura de despesas igualmente questionáveis, a exemplo de combustíveis, aluguel de carros, serviços de telefonia, alimentação e passagens aéreas, além de divulgação do mandato parlamentar. Ainda que legalmente previsto, o escárnio é notório e inaceitável, sobretudo em um país em que milhões de pessoas não sabem de que forma alimentarão as suas famílias no dia seguinte.
SEM BUROCRACIA – Os gastos sequer atravessam o caminho burocrático, uma vez que os milhares de reais são reembolsados imediatamente mediante a simples apresentação de notas fiscais. Enquanto isso, o cidadão que tenta fugir da miséria e conseguir um minguado benefício social, muitas vezes precisa comprovar através de inúmeros documentos a sua miserabilidade, perigando ter o seu pedido indeferido.
Teve parlamentar que gastou quase R$ 300 mil em uma única gráfica para a impressão de panfletos e não enfrentou o menor problema para ser ressarcido integralmente. Ao mesmo tempo, esse mesmo representante do povo, durante todo o mandato até agora, não teve nenhum projeto de lei aprovado. Tudo “dentro dos limites estabelecidos pela Câmara dos Deputados”.
VANTAGEM – Além dos gastos desvairados, confrontando-se com as precárias condições de boa parte da população brasileira, a cota parlamentar aplicada com divulgação pode dar aos deputados uma vantagem na disputa eleitoral, pois muitos são candidatos à prefeito nas eleições do ano que vem. Um ciclo vicioso e injusto.
O dinheiro público usado de forma acintosa mantém refém os nichos eleitorais que atravessam gestões sobrevivendo de perspectivas que nunca se efetivam. Em tradução simultânea, a verba de divulgação é, na realidade, recurso de campanha travestido de cota parlamentar, no fim das contas, contribuindo para as sérias disparidades entre quem tem e quem não tem mandato.
Some-se a este cenário que perdura há décadas, o fato de que esse cotão, ralo pelo qual escorre milhões de reais em recursos públicos, quando não fiscalizado de forma rígida e sem transparência, fortalece a rota de desvios. Independentemente do protagonismo justificado para o seu uso, o montante é passível de discussão. E, diante desta ciranda em que tudo que se gasta se adequa à previsão regimental e legal, os excessos são marcantes e a fiscalização questionável, fica a contradição cada vez mais exposta diante do Brasil que, ainda banguela, continua a sorrir.