Publicado em 26 de dezembro de 2023 por Tribuna da Internet
Paulo Silva Pinto e Natália Veloso
Poder360
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes, 67 anos, disse que o tribunal está aberto a críticas e a novas regras de funcionamento, incluindo a limitação de decisões de um só ministro. Mas ressalvou que é preciso ter “cuidado” na discussão. “Espero que isso seja construído de maneira sensata e ponderada”, afirmou em entrevista.
O Senado aprovou projeto que limita decisões de 1 só ministro no STF. Esse projeto deve avançar na Câmara?
Vamos aguardar. Certamente, a Câmara terá seus critérios de avaliação. Na nossa avaliação, essa matéria já é praticamente vencida naquilo que ela é realmente útil. Porque, já sob a gestão da ministra Rosa Weber, o tribunal disciplinou tanto a questão das liminares, até de maneira mais ampla em alguns casos, como a questão dos pedidos de vista, de modo que não me parece que haja espaço para esse tipo de regulação. Por outro lado, a proibição de concessão de cautelares em determinados casos pode resultar numa desproteção do sistema constitucional como um todo.
Qual a justificativa?
Em muitos casos, as liminares são necessárias exatamente porque há uma urgência que não dispensa a providência de maneira imediata. Nós vimos agora, recentemente, nesse episódio da declaração de inconstitucionalidade dos precatórios. O relator, ministro Fux, não havia concedido a liminar e pedia então que houvesse o referendo do tribunal. Mas houve um pedido de vista. E tínhamos uma condicionante para serem pagos os precatórios a partir do ano que vem. Nós precisávamos ter uma decisão em tempo hábil. Isso resultaria, portanto, na necessidade de uma liminar. No passado, nos conflitos que tivemos no governo Bolsonaro, em muitos casos nós precisávamos de uma liminar para defesa da saúde pública. É preciso entender isso em toda a sua complexidade. E eu espero que isso seja construído de maneira sensata e ponderada.
Qual sua avaliação sobre a proposta de limitar os mandatos dos novos ministros do STF?
Também aqui me parece que o tema é de extrema complexidade e precisa ser discutido com muito cuidado. Há cortes constitucionais no mundo que têm mandato. Há cortes também que não têm mandato e que têm limite de idade. Normalmente essas propostas vêm embutidas ou complexificadas com a ideia de uma divisão no sistema de indicação. Significa dizer que Câmara, Senado e Executivo participam da indicação. A gente tem algum modelo semelhante? No Brasil, temos o Tribunal de Contas da União [TCU]. Esse seria um bom modelo, Câmara, Senado e Executivo indicando? É uma pergunta que eu deixo…
O senhor tem resposta para essa pergunta?
Se nós fomos replicar o modelo do TCU, certamente não é o bom modelo. Podemos colocar a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] para definir? As escolhas da OAB merecem consenso. Alguém tem criticado isso? Ou mesmo a escolha de tribunais? É razoável para a OAB, como tem ocorrido, que três membros do Conselho da OAB definam todos os integrantes de suas listas, como se diz que ocorre? Querem discutir isso? vamos discutir com profundidade. A reforma do Judiciário é uma tarefa complexa.
Uma crítica frequente a algumas decisões do STF é que estabelecem regras que, de acordo com esses críticos, deveriam ser estabelecidas pelo Legislativo. Qual a sua avaliação sobre isso?
Tudo isso é um debate válido e importante. Primeiro, não se pode esquecer que a Constituição de 1988 introduz um sistema de controle da omissão legislativa inconstitucional. Por quê? Porque nós tínhamos várias promessas no texto constitucional que não eram contempladas, e o legislador nada fazia. Então, é apenas uma questão política. Veio então o constituinte de 1988 e disse: “Não, nós vamos criar mecanismos para controle da omissão legislativa inconstitucional”. E cria o mandado de injunção. Cria a ação direta por omissão. Coloca essas alternativas e o tribunal passa a apelar ao Congresso Nacional para legislar sobre determinados temas. Muitas vezes, o Congresso não responde. Então, o tribunal passa a fazer algum tipo de experimento, colocando uma legislação no lugar.
Dê um exemplo, por favor.
Vou dar um exemplo que é conhecido de todos: direito de greve do servidor público. É um direito que precisa também de limitação, é um direito que se tem que exercer com responsabilidade. Então, em 2006 e 2007, naquela quadra em que tivemos o acidente da Gol, aquele choque com Legacy [avião Embraer]. Ali tivemos também motins e greve de controladores de voos. O tribunal se debruçou sobre isso e aplicou a lei de greve do serviço privado ao serviço público. Acabaram-se aquelas greves que eram também férias.