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quinta-feira, dezembro 28, 2023

O silêncio eloquente da Constituição




A Carta de 1988 dispensa autorização legal ou mediante convenção ou acordo coletivo, em relação ao dia de descanso semanal

Por Almir Pazzianotto Pinto* (foto)

É necessário desconstruir com sentido crítico a mitologia que existe sobre o descanso obrigatório aos domingos. Abandone a comodidade do gabinete. Observe a realidade. Por exigência da sociedade, da economia e dos próprios trabalhadores, são numerosas as profissões que trabalham aos domingos, dias santos e feriados.

É o que sucede, por exemplo, com o padeiro, o aeronauta, o aeroviário, corretores, motoristas de taxi, de caminhões e ônibus, mecânicos, borracheiros, frentistas de postos de combustíveis, empregados de bares, restaurantes, churrascarias, hotéis, farmacêuticos, médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, fotógrafos, jornalistas, músicos, bombeiros, porteiros, vigilantes, policiais, artistas, profissionais de telecomunicações, rurícolas.

A relação trata do óbvio, que ao observador despreocupado passa despercebido. Pouco importa o tamanho da cidade. Nas capitais, sedes de grandes e pequenos municípios, distritos, vilas ou na zona rural, sempre haverá alguém trabalhando à noite, aos domingos, feriados e dias santificados.

A garantia do “repouso hebdomadário, de preferência aos domingos” foi uma das novidades benéficas aos assalariados instituídas pela Constituição de 1934 (art. 121, e), para ser mantida pelas Constituições de 1937, 1946, 1967 (Emenda n.º 1/1969) e, finalmente, na Constituição de 1988, conforme art. 7.º, XV.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), promulgada em 1943, tratou do assunto de forma genérica. Coube à Lei n.º 605, de 5/1/1949, regulamentar o dispositivo da Constituição de 1946. A lei deixa claro, no artigo 1.º, que o descanso semanal será remunerado e gozado “preferentemente aos domingos e nos limites das exigências técnicas das empresas, nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local”. Preferentemente. Nunca exclusivamente aos domingos.

O art. 6.º da Lei n.º 10.101, de 18/12/2000, autoriza “o trabalho aos domingos no comércio varejista em geral, observado o art. 30, inciso I, da Constituição”. Esse dispositivo reconhece aos municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse local, como é o caso do comércio. No interesse dos munícipes, da economia local, do comércio e dos comerciários, na maioria dos municípios a atividade varejista aos domingos é autorizada.

Quando determina, mediante portaria interna, que o trabalho do comércio aos domingos depende de acordo ou convenção coletiva, o ministro Luiz Marinho viola os limites da competência ministerial, delimitada pelo art. 87 da Constituição, e avança além do que lhe é autorizado.

Trabalhar aos domingos não resulta da vontade do lojista. Abre as portas do seu comércio com a esperança de surgirem clientes dispostos a comprar. Sobretudo nos grandes centros, resulta também da necessidade dos consumidores, cujas atividades de segunda a sexta-feira ou sábado só lhes permitem ir ao supermercado ou ao shopping center em domingos e feriados.

O art. 7.º da Constituição traz o rol de direitos fundamentais dos trabalhadores rurais e urbanos. Consultando-o, veremos que algumas das garantias dependem de regulamento legal. É o que sucede com a proteção do trabalhador contra despedidas arbitrárias ou sem justa causa, a participação nos lucros, a licença-paternidade, a proteção em face da automação (incisos I, XI, XIX, XXVII). Outras admitem soluções negociadas coletivamente, como no caso da irredutibilidade dos salários, da compensação de horários e redução da jornada, da jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento (incisos VI, XIII, XIV).

Quando a Constituição silencia, desobriga de lei regulamentadora, convenção ou acordo coletivo, e o ajuste poderá ser concretizado entre empregador e empregado. É o que ocorre com o descanso semanal. Em boa língua portuguesa, preferentemente ou preferencialmente são expressões com significado conhecido. Às partes é possível escolher outro dia da semana, desde que seja observada a periodicidade da lei.

A Constituição de 1988 disciplina o tratamento jurídico do assunto. Dispensa autorização legal ou mediante convenção ou acordo coletivo, em relação ao dia de descanso semanal. Nada impede que empregado e empregador determinem quando a loja funcionará no domingo ou feriado, conforme o interesse das partes.

O ministro Luiz Marinho se intrometeu em esfera alheia à competência do Ministério do Trabalho e Emprego. Não há fundamento constitucional ou legal para exigir que o sindicato seja parte obrigatória de negociação que pode ser individual e direta. Criou entre empregador e empregado oneroso obstáculo não previsto pela Lei Fundamental.

Em nosso país, é excessiva a ingerência do Estado nas relações de trabalho. Tudo se encontra minuciosamente regulamentado. A autonomia de vontade é mínima. Não, porém, ao ponto de impedir que comerciantes e comerciários ajustem, em determinadas datas ou épocas especiais, o dia do descanso obrigatório, desde que se observe o marco semanal.

Respeite-se o silêncio eloquente da Constituição.

*Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

O Estado de São Paulo

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