Lula, Bolsonaro
Pesquisas recentes reafirmam a cristalização da polarização entre petistas e bolsonaristas e a importância de líderes que se dediquem a deslegitimar a intolerância na política
Duas pesquisas divulgadas recentemente registraram o mesmo patamar de solidez das preferências do eleitorado em relação ao presidente Lula da Silva e ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Tanto o Datafolha quanto a Quaest mostraram que a esmagadora maioria diz não ter se arrependido do voto dado no 2.º turno de 2022 (90% segundo o Datafolha, 88% de acordo com a Quaest). O Datafolha também reafirmou o tamanho de cada grupo vinculado ao lulismo e ao bolsonarismo: 30% se identificam como petistas, enquanto 25% se apresentam como bolsonaristas, mesmos índices registrados em dezembro do ano passado. Até aí, os números garantem o mérito das duas principais lideranças políticas do País e das forças que os apoiam. Goste-se ou não, o fato é que ambos os polos vêm conseguindo galvanizar o eleitorado em torno de si, calcificando as preferências a tal ponto que parece haver menos chance de que eventos novos e até dramáticos possam mudar as escolhas das pessoas nas urnas.
O problema, no entanto, vai muito além do que ver um Brasil cindido ao meio. Questionar a polarização a que temos assistido nos últimos anos não significa apenas pensar numa terceira via, buscar um caminho do meio ou desejar uma suposta neutralidade diante dos polos mais visíveis. Criticar a polarização não é nem mesmo negar a existência de polos ou buscar eliminá-los. Despolarizar a política não significa esfriar o debate ou desaquecer as diferenças; é mostrar que o problema começa quando liberdade e pluralidade são sufocadas por uma mentalidade que deslegitima as diferenças e transforma os adversários no próprio problema a ser combatido.
O perigo da preservação desses números em torno de Lula e Bolsonaro, ou entre lulopetismo e bolsonarismo, é aquilo que os acompanha e sustenta a vida dos extremos: cisão, dissolução de grupos, abalo ou ruptura de amizades e relações, interdição de debates públicos e privados, demonização do adversário. Diferenças políticas são saudáveis, e conflitos são parte de uma democracia funcional. Mas não parece nada saudável que se repitam gestos e atos tóxicos movidos por hostilidades, extremismos, disseminação ou acolhimento de desinformação e discursos de ódio deformadores da realidade, ou simplesmente a demonstração de incapacidade de lidar com diferenças.
Reconhecer os problemas da polarização parece mais fácil, porém, do que identificar responsabilidades para esse estado de coisas. E um papel fundamental para aprofundar ou conter as divisões nacionais tem nome: liderança. Líderes populistas – como Lula, Bolsonaro ou Donald Trump, que agora tenta voltar à presidência dos EUA – costumam recorrer a gatilhos da polarização para manter suas bases mobilizadas e engajadas. Alimentam-se do adversário. Estimulam a demonização e a deslegitimação do inimigo. Naturalizam o ódio e a violência política, que passam a ser justificados e aceitos como defesa à identidade pessoal e de grupo entre aqueles que os apoiam.
Elites políticas podem, ao contrário, ajudar a moldar a visão dos grupos que os apoiam e legitimar as diferenças – sem que isso se converta em redução do seu papel. Podem conter, e não ampliar, a proliferação de discursos perigosos e comportamentos violentos. Tais atributos, no entanto, têm faltado a boa parte das lideranças petistas e bolsonaristas. Segundo a pesquisa Quaest, significativos 58% dos entrevistados afirmam, por exemplo, que o presidente Lula ajudou a desunir o País (35%, algo próximo do seu eleitorado mais fiel, acreditam que ele ajudou a unir). Entre os eleitores bolsonaristas, previsivelmente 89% consideram que Lula ajudou a desunir. Mas, quando presidente, era Bolsonaro um dos principais artífices da desunião. Em outra pesquisa recente do mesmo instituto, mais da metade (54%) afirmou conhecer alguém que já rompeu relações por causa da política. E quando perguntados se se sentiam mal por ter rompido relações por esse motivo, nada menos do que 75% afirmaram que não.
O Brasil está a um passo de virar um país da intolerância política, tisnado pela sensação de que estamos diante de uma eleição permanente – e uma eleição na qual o objetivo não é apenas vencer, mas obliterar o adversário.
O Estado de São Paulo