Já se vão quase três meses desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, no que imaginava ser uma operação militar de curta duração. Ao contrário da expectativa, ela se transformou num atoleiro para Vladimir Putin. Suas forças enfrentam uma resistência renhida, que aumenta à medida que cresce o apoio material e financeiro do Ocidente. O mundo agora se vê diante da questão até há pouco impensável: Putin arriscaria usar armas nucleares? Teria a audácia de ser o segundo líder mundial, depois do americano Harry Truman em 1945, a lançar a bomba atômica?
O motivo mais evidente para levar a sério a hipótese é que Putin tem cumprido o que diz — e tem citado armas nucleares com frequência preocupante. “Se alguém quiser intervir na Ucrânia e criar uma ameaça estratégica, os ataques serão rápidos como um raio”, afirmou. Coube ao chanceler Sergei Lavrov, em entrevista a um canal de TV, aconselhar a não “subestimar” o risco de uma guerra nuclear. Os russos não ficaram só nas palavras, mas passaram a usar armas de impacto, com a intenção de transmitir recados ao Ocidente.
Outro fator crítico é o balanço da guerra. Os russos fazem questão de enfatizar avanços e conquistas, como a recente — e sangrenta — captura de Mariupol, na costa do Mar de Azov. Mas o quadro que emerge das fontes ocidentais é negativo para a Rússia. De acordo com a inteligência britânica, as forças de Putin perderam cerca de 15 mil soldados, 2 mil blindados e 60 aviões. O poder de combate, segundo essa versão, foi reduzido em 25%.
Os pessimistas consideram que, diante dos reveses, Putin arriscaria usar uma arma nuclear de efeito tático na Ucrânia, como recado aos Estados Unidos e ao Ocidente. Pela doutrina nuclear russa, o país chegaria a uma situação extrema se “um ato de agressão contra a Rússia e seus aliados pusesse em risco sua existência, mesmo sem o uso de armas nucleares”. É um enunciado aberto a várias leituras. A melhor para o mundo e para a própria Rússia é que, como a guerra não põe Moscou em risco, o cenário nuclear está afastado.
A hipótese é corroborada pelas ideias do Nobel de Economia Thomas Schelling (1921-2016), que usou a Teoria dos Jogos para analisar o risco de confronto nuclear entre potências. Num dos cenários, a Teoria do Louco, um dos lados tenta transmitir ao outro a sensação de que realmente esteja disposto a cometer o desvario de lançar a bomba, para alcançar seu objetivo real: obrigar o inimigo a recuar. Tal ameaça só é eficaz se tiver credibilidade. Não se sabe se esse é o jogo de Putin, mas até agora seus passos foram racionais.
Por via das dúvidas, os Estados Unidos já cuidam de ampliar seu orçamento militar, a fim de aumentar o poder de dissuasão. Para 2023, o Pentágono pede dinheiro suficiente para lançar uma nova geração de mísseis intercontinentais (Sentinela), um novo bombardeiro B-21 furtivo, drones e aparelhos tripulados que constituem a Nova Geração de Domínio Aéreo (NGAD). Ainda que a ameaça nuclear de Putin seja bravata, ele já deflagrou uma corrida armamentista de que dificilmente terá condições de participar.
O Globo