Carlos Newton
Jamais uma quarta-feira de cinzas fez tanto jus à denominação. Sempre foi um dia nostálgico e de poucas notícias na imprensa. Desta vez, porém, as cinzas se justificaram, porque o país parece estar pegando fogo. A esculhambação política chegou a um estágio inacreditável, levando o Supremo a aprovar por unanimidade a prisão de um deputado bolsonarista que tem formação policial, porém não consegue entender que na vida tudo precisa ter limites, até a liberdade de expressão.
É claro que o comportamento desse neoparlamentar é baseado na falta de decoro do presidente da República, que se utiliza de uma linguajar chulo, não respeita ninguém e conduz os encontros ministeriais como se estivesse num botequim pé-sujo, conforme ficou comprovado pela gravação da reunião do dia 22 de abril de 2002 no Planalto.
ATAQUE À IMPRENSA – No rescaldo das cinzas do Carnaval, até então o destaque tinha sido o mais novo ataque de Bolsonaro à imprensa. É algo jamais visto na História do Brasil, um retrocesso verdadeiramente medieval, que demonstra interna e externamente o despreparo do governante brasileiro.
Até então, o mais grave incidente havia sido a censura imposta pela ditadura em 1968, que se somou à tortura e o assassinato de presos políticos como os mais graves erros dos militares que empolgaram o poder em 1964, digamos assim, com a cumplicidade dos civis.
Mais de 50 anos depois, numa conjuntura completamente diferente, é bizarro assistir o presidente e seus áulicos a defenderem práticas nada republicanas. É tudo fruto do despreparo dessa facção política que acaba de chegar ao poder no Brasil por via das circunstâncias.
IGNORÂNCIA E ESTUPIDEZ – Há 500 anos, na Europa, o padre François Rabelais ensinava que “a ignorância é a mãe de todos os males”. Mais recentemente, o pastor Martin Luther King atualizava esse pensamento, ao afirmar que “nada no mundo é mais perigoso que a ignorância sincera e a estupidez consciente”.
Bolsonaro é isso aí, por reunir “a ignorância sincera e a estupidez consciente”. Seu maior erro é julgar que as redes sociais já se tornaram mais importantes do que a imprensa tradicional, que estaria destinada à extinção. Diversas vezes já fez afirmações nesse sentido aos jornalistas, especialmente diante dos fanáticos que se aglomeram na portaria do Palácio da Alvorada.
“A profissão de vocês vai acabar”, diz o presidente da República, ao repetir antigas previsões que jamais se concretizaram, e são feitas sempre que surgem novidades na área da mídia, que desde seu surgimento com os arautos dos reis vem incorporando novas tecnologias, para que o serviço básico – a informação – seja cada vez mais acessível.
DESDE GUTENBERG – Depois que o alemão Johannes Gutenberg criou no Século XV a tipologia, invenção que possibilitaria o surgimento de jornais, revistas e livros, causando desemprego de copistas, a imprensa floresceu embelezada pelas fotografias, cuja técnica era desenvolvida simultaneamente em vários países, mas a primeira foto conhecida foi exibida em 1826 pelo francês Joseph Nicéphore Niépce.
Pouco depois, em 1844, o norte-americano Samuel Morse criou o telégrafo com fio e levou à informação à distância, inclusive com cabos submarinos, mudando os rumos da comunicação.
Em seguida, os irmãos franceses Auguste e Louis Lumiére criaram o cinema em 1895 e depois a foto colorida. Com a popularização do cinema mudo e falado, logo apareceu que dissesse que o teatro ia se acabar…
NAS ONDAS DO RÁDIO – Simultaneamente, o italiano Guglielmo Marconi inventou a telegrafia sem fio e fez a informação cruzar o Canal da Mancha em 1899, e ninguém sabia que dali logo se derivaria o rádio, que até o advento do celular era o mais popular meio de comunicação.
Naquela época, com as rádios já fornecendo informações de graça e em tempo real, disseram que a imprensa ia se exaurir, mas a profecia era uma bobagem.
Mais adiante, em 1918, o escocês John Logie Baird começou a transmitir imagens e surgiu o milagre da televisão, repetindo-se as velhas profecias de que o teatro e o cinema iriam se acabar…
NA ERA DIGITAL – E agora, no novo milênio, a internet traz a informação em tempo real, com textos, fotos, filmagens e tudo o mais, e logo surgem as velhas visões apocalípticas de que desta vez a grande mídia não vai conseguir escapar.
Deslumbrado com o sucesso das redes sociais nas eleições, Bolsonaro embarcou nessa canoa furada e abriu uma guerra contra a imprensa, com apoio de milhões de fanáticos que também acreditam nessa bobajada.
Acontece que não mais que de repente, como diria Vinicius de Moraes, surgiu do nada a primeira pandemia deste milênio, assustando para valer a população mundial, que literalmente está se vendo pela famosa hora da morte.
ONDE SE INFORMAR? – E onde as pessoas foram buscar as informações sobre o coronavírus? Nas redes sociais? Ora, ora, isso “non ecziste”, diria padre Quevedo, enfrentando as bruxas da comunicação. As redes sociais são coisas de amadores. Nos momentos cruciais, é preciso consultar os profissionais, que mantêm na grande mídia o comando das informações concretas e confiáveis.
Pouca gente entende que a imprensa é como a medicina e sempre funcionará como uma espécie de “clínica geral” da sociedade, apontando seus males e tratamentos.
É sabido que não se deve falar mal dos médicos, porque a qualquer momento você pode precisar deles. Da mesma forma, é bom respeitar os jornalistas, porque a gente continua precisando desesperadamente deles.
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P.S. – A grande diferença entre o noticiário da grande mídia e as informações que circulam nas redes sociais são as chamadas fakes news. É impressionante a irresponsabilidade desses falsos jornalistas, que inundam a internet com bobagens e asneiras. O verdadeiro jornalismo precisa ser respeitado. Pense sobre isso. (C.N.)