André Borges
Estadão
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU) quer o fim do privilégio de 60 dias de férias por ano, que hoje é dado a magistrados, membros do Ministério Público da União, do TCU e do próprio MP de contas.
Em representação enviada à presidente do TCU, ministra Ana Arraes, o subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado pede que o tribunal realize estudos sobre os gastos de dinheiro público para pagamentos dessas férias de dois meses, que incluem adicional de um terço e possibilidade de venda de 20 dias, além da fundamentação jurídica que hoje ampara esses benefícios, diante dos princípios constitucionais da isonomia e da moralidade administrativa.
REFORMA ADMINISTRATIVA – O objetivo é que o tema seja inserido nas discussões da Reforma Administrativa (PEC 32/20), que tramita no Congresso. O TCU é um órgão vinculado ao Legislativo e de prestação de serviços e apoio aos parlamentares.
A regalia de 60 dias de férias estendida está prevista em legislações infraconstitucionais – como a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, a Lei Orgânica do Ministério Público da União e, no âmbito da esfera federal, a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União.
Apesar destes amparos legais, afirma o MP-TCU, esse “direito” se sobrepõe em relação a definições básicas da Constituição, como o princípio da igualdade (art. 5º), segundo o qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Fora isso, fere diretamente o princípio da moralidade administrativa.
PRIVILÉGIOS – “Pondero que o país não aceita mais esse tipo de tratamento anti-isonômico, como as férias de sessenta dias para juízes e membros do ministério público. Essas autoridades já têm uma remuneração diferenciada, compatível com a dignidade da profissão. Não se justifica, assim, no atual momento por que passa a sociedade, a possibilidade de ainda venderem 20 dias de suas férias, além de receberem o adicional de 1/3 em dobro, comparativamente a todos os demais trabalhadores”, diz Furtado, em sua representação.
“Gastos como os ora questionados se insinuam perante os cidadãos como altamente indecorosos e revelam prática incompatível com as novas exigências da sociedade, cujos parâmetros morais também devem ser levados em conta na decisão e na distinção entre os dispêndios que podem e que não podem ser custeados com recursos públicos.”
ABONO – Na peça, Lucas Rocha Furtado lembra que, em agosto do ano passado, o então presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Dias Tóffoli, decidiu que magistrados dos Tribunais Federais e do Trabalho também têm direito ao abono pecuniário, com a venda de 1/3 das férias que os trabalhadores em geral já têm direito. Com a decisão, magistrados passaram a ser compensados, se quiserem vender 20 dias e gozar os demais 40 dias. Qualquer trabalhador brasileiro tem férias máximas de 30 dias, com direito de vender dez dias.
“A sociedade não aceita mais isso, sobretudo quando é pública e notória a precariedade dos serviços públicos que lhe são oferecidos. Pagamentos como os que ora são objeto desta representação constituem, a meu ver, verdadeira afronta e agressão ao contribuinte, ainda que sob o argumento da sua validade formal. Não poderia haver maior ofensa aos princípios da isonomia e da moralidade administrativa do que esse tipo de benefício injustificável modernamente”, afirma Furtado. O pedido deverá ser analisado pela ministra Ana Arraes, que definirá se os estudos serão realizados, conforme pede o MP-TCU.