Danielle Brant, Thiago Resende e Matheus Teixeira
Folha
Menos de uma semana após a Câmara confirmar a prisão de Daniel Silveira (PSL-RJ), o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), decidiu acelerar a tramitação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que amplia a imunidade parlamentar. A pressa para colocar em tramitação a PEC, no entanto, acabou tendo efeito adverso. Lira passou a quarta-feira, dia 24, costurando acordo para conseguir votar a proposta.
Há desconforto em parte dos deputados pelo temor de que a apreciação a toque de caixa pudesse passar uma impressão negativa à sociedade. A PEC é de autoria do deputado Celso Sabino (PSDB-PA) e contou com o apoio de mais de 180 deputados como coautores. Nesta quarta, para avançar na tramitação, Lira fechou acordo para votar a admissibilidade da proposta —ou seja, os deputados analisaram se o texto está em conformidade com a Constituição.
PARECER FAVORÁVEL – A relatora deu parecer favorável à admissibilidade, que foi aprovada por 304 votos a favor – foram 154 contrários e duas abstenções. Era necessária maioria simples (ou seja, maioria dos presentes). O primeiro turno da votação que vai analisar o mérito da PEC foi marcado para 15h desta quinta (25). Por ser PEC, o texto precisa de ao menos 308 votos em votação em dois turnos. Se aprovado na Câmara, o texto segue para o Senado.
O presidente da Câmara já havia deixado clara a intenção de blindar congressistas na sexta-feira, dia 19, antes da sessão do plenário que confirmou a prisão de Silveira por 364 votos a favor e 130 contrários. Em discurso, Lira anunciou a criação de uma comissão para propor mudanças ao artigo da Constituição que prevê a imunidade parlamentar.
Silveira foi preso na terça-feira, dia 16, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), após a publicação de um vídeo com ataques aos ministros da Corte e defesa ao AI-5 (Ato Institucional nº 5), que deu início ao período mais autoritário da ditadura.
“PONTO FORA DA CURVA” – Desde a decisão do plenário, o presidente da Câmara, que chamou o caso de Silveira como “ponto fora da curva” para que não fosse visto como precedente, colocou em marcha o plano de aparar arestas no artigo de imunidade parlamentar. A intenção principal era impedir novas tentativas de afrontar o que deputados e senadores consideram preceitos fundamentais à função, como o livre discurso e a liberdade de expressão.
Em rede social, Lira defendeu a pressa para tratar do tema. “Não sou a favor nem contra qualquer solução legislativa específica sobre a proteção do mandato, que não protege o parlamentar, mas a democracia”, escreveu. “Sou a favor, sim, que o Congresso faça sua autocrítica e defina um roteiro claro e preciso para o atual vácuo legal para lidar com situações desse tipo”, acrescentou.
Lira afirmou que a “proteção ao mandato não pode ser absoluta, mas não pode ser nenhuma”, e que cabe ao Legislativo definir os limites. Apesar disso, a tramitação acelerada da PEC incomodou parte dos deputados. O texto começou a circular na terça-feira, dia 23, entre líderes partidários, ainda na fase de coleta das 171 assinaturas necessárias para que começasse a andar na Câmara.
DESCONFORTO – A relatora, Margarete Coelho (PP-PI), só foi apontada formalmente no final da tarde desta quarta. O parecer só foi disponibilizado no início da noite no sistema da Câmara.A falta de discussão incomodou alguns líderes partidários, que, nos bastidores, reclamavam do pouco tempo para medir o impacto das medidas que votariam.
Eles pediam a Lira mais tempo para maturar as mudanças propostas e tirar da sociedade a impressão de que votariam em benefício próprio. O presidente da Câmara fez um esforço para convencer a oposição a apoiar a votação nesta quarta, mas, sem sucesso, aceitou votar apenas a admissibilidade.
A rigor, uma PEC precisa ter a admissibilidade aprovada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), antes de ter o mérito analisado por uma comissão especial. Na pandemia, essas etapas foram aceleradas e as PECs votadas tiveram essas fases concluídas no plenário.
RESISTÊNCIA – Ainda assim, havia resistência. Alguns avaliam que a PEC poderia beneficiar Silveira, se retroagir. Há críticas pelo fato de restringir a punição ao Conselho de Ética e também ao dispositivo que estabelece que o julgamento no STF só pode envolver processos relativos a crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções parlamentares.
Outro dispositivo proibiria a prisão em flagrante em crime de corrupção, que não está elencado como crime inafiançável pela Constituição —conforme a delimitação prevista no texto da PEC. “A redação da PEC 3/2021 não está adequada. Precisa de aperfeiçoamentos”, escreveu, em uma rede social, o deputado Fábio Trad (PSD-MS).
“Não se sustenta proibir a prisão em flagrante por crimes contra a administração pública. Esta pressa não condiz com a importância de uma mudança constitucional. Votarei contra.” Na sessão, Trad questionou “por que a pressa” de aprovar o texto se não havia “nenhum problema técnico-jurídico.”
CAUTELA – “É preciso ter um pouco de cautela para amadurecer concepções, conceitos, aspectos e consequências de uma mudança que tem estatura constitucional. Nós não podemos modificar a Constituição como mudamos de roupa”, afirmou.
“Não há sentido para essa sofreguidão, para essa celeridade que eu diria inconsequente. Será que há algum parlamentar com receio de ser preso nos próximos dias e por isso tem o desespero, a angústia de querer ver aprovada a PEC para se blindar?”
Daniel Coelho (PE), vice-líder do Cidadania, criticou a votação da proposta. “Não tem nenhuma lógica a gente estar votando agora essa PEC que gera impunidade e que traz a sensação para a sociedade de que a Câmara está preocupada em se proteger, quando a gente tem que vacinar as pessoas”, afirmou.
CRÍTICA – Kim Kataguiri (DEM-SP) também atacou a proposta como PEC da impunidade. “É uma ofensiva do Congresso Nacional contra o Supremo que vai blindar os parlamentares, inclusive para buscas e apreensões e cometimentos de crimes anteriores a mandatos. E, coincidentemente, é a mesma tese da defesa do [senador] Flávio Bolsonaro”, disse.
No STF, ao menos dois ministros criticaram duramente a PEC que limita as possibilidades de punição e prisão de parlamentares. No entendimento de ao menos dois integrantes da Corte, o texto tem trechos inconstitucionais e deve ser derrubado pelo Supremo caso seja aprovado.
A previsão de permitir a prisão em flagrante apenas em relação a crimes inafiançáveis previstos na Constituição, na visão de magistrados, violaria o princípio republicano, uma vez que restringiria demais os delitos passíveis de detenção de parlamentares.
LIMITAÇÃO – A ideia de estabelecer que a prisão de deputados e senadores só poderia ocorrer por decisão colegiada do Supremo também é alvo de críticas de ministros. Eles apontam que a norma limitaria a atuação da Corte e seria uma afronta à separação de Poderes, pois afetaria nos trabalhos da Corte. Além disso, tornaria muito difícil a caracterização da flagrância, porque os ministros teriam de se reunir antes de determinar a prisão.
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COMO É HOJE:
. Congressistas são invioláveis civil e penalmente por opiniões e votos
. Parlamentares, quando assumem o cargo, serão julgados pelo STF
. Congressistas não podem ser presos, apenas em caso de flagrante de crime inafiançável
. Hoje, parlamentar preso fica sob custódia da Polícia Federal
. Decisão judicial pode afastar parlamentar do mandato
COMO É A PROPOSTA EM DISCUSSÃO *:
. Inclui na Constituição que congressistas podem apenas responder em processo ético-disciplinar por quebra de decoro parlamentar em caso de opiniões e votos
. Texto diz que julgamento perante o STF será sobre crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções parlamentares
. Projeto delimita o conceito de inafiançabilidade ao que já está previsto na Constituição: racismo, prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o estado democrático
. Deputado ou senador preso em flagrante será encaminhado à Câmara ou ao Senado, onde aguardará, sob custódia do Legislativo, a decisão do plenário da Casa
. Projeto veda o afastamento judicial cautelar de membro do Congresso, somente podendo ser decretada a perda do mandato por decisão do Congresso
*Proposta ainda pode sofrer modificações