Ben-Hur Correia e Helton Setta
TV Globo
O Jornal Nacional teve acesso a um documento enviado pelo Ministério da Saúde ao Tribunal de Contas da União, no qual a pasta faz afirmações que contrariam diversas manifestações públicas anteriores do ministro Eduardo Pazuello e do presidente Jair Bolsonaro.
Pazuello diz que jamais defendeu o uso da cloroquina, porém em maio do ano passado, assinou um documento técnico recomendando a cloroquina. E, em setembro, na posse do ministro como titular da Saúde, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) exibiu uma caixa do remédio e fez propaganda dele.
DISSE BOLSONARO – “Nesse prédio aqui, aproximadamente 200 pessoas foram acometidas pelo vírus. Não tive informação de nenhuma que foi sequer hospitalizada. Porque, em grande parte, tomaram… (mostra a caixa de cloroquina). Não o remédio do Bolsonaro, mas o remédio que tinham (aplausos)”, disse o presidente.
Já Pazuello fez a seguinte afirmação: “O tratamento precoce salva vidas (aplausos). Com o fortalecimento dessa conduta, presidente Bolsonaro, já alcançamos de mais de 3,6 milhões de pessoas recuperadas”.
No entanto, em outubro um estudo liderado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmou a ineficácia da cloroquina. Mas, no mesmo mês, quando Pazuello se recuperava da Covid, ele e o presidente continuavam insistindo.
COQUETEL PAZUELLO – “Se algum médico não quiser receitar a hidroxicloroquina, o que que ele faz?”, perguntou Bolsonaro. E Pazuello respondeu: ”O médico chama outro médico, e, se o paciente quiser tomar, assina lá o compromisso, e o médico receita”.
Bolsonaro completou: “Vem o recado mais importante aí: o pessoal que tem comorbidade, mais idoso, se cuida, tudo bem, mas, se for acometido, procura um médico rapidamente e toma o coquetel Pazuello aqui, tá ok, pessoal?”.
AO VIVO NA INTERNET – Em 14 de janeiro, Pazuello e Bolsonaro afirmaram em uma transmissão ao vivo pela internet. “Tratamento precoce é preconizado pelos conselhos federais, conselhos regionais, é orientado pelo Ministério da Saúde, se mostrou eficaz em todas as cidades e estados do Brasil”, disse Bolsonaro.
“É a mesma coisa o tratamento precoce da Covid com hidroxicloroquina, com invermectina, com a anitta, azitromicina, vitamina D (…) Você entrou com tratamento precoce agora em Manaus, não entrou?”, perguntou o presidente a Pazuello.
O ministro respondeu: “Já está funcionando com a nova gestão”.
MUITAS CONTRADIÇÕES – A TV Globo pediu que o conselheiro da Sociedade Brasileira de Infectologia, Carlos Starling, que analisasse as respostas do ministério ao TCU.
“Na realidade o Ministério está se contradizendo. Porque ele veio preconizando ao longo de todos esses meses o tratamento precoce com drogas ineficazes. E drogas que hoje não encontra em qualquer respaldo. Sejam das sociedades científicas nacionais ou internacionais. Portanto é um documento que contradiz o que é evidente que foi dito”, disse Starling.
“Acho que um gasto enorme de energia de tempo, eventualmente inclusive de dinheiro que poderia ter sido melhor investido no sentido de ajudar os ensaios de vacina, ajudar os investimentos para que nós tivéssemos uma vacina brasileira exatamente como os outros países do bloco dos Brics tiveram. Então acho que foi um equívoco sem dúvida nenhuma”, argumenta a infectologista Margareth Dalcolmo.
APLICATIVO IRREGULAR – No mesmo despacho o ministro Benjamim Zymler pediu que o Ministério detalhasse o funcionamento do aplicativo TrateCov. Lançado em janeiro como uma ferramenta para auxiliar os médicos no tratamento da Covid, o aplicativo induzia ao uso de Cloroquina, Azitromicina e Ivermectina.
O Ministério respondeu que a plataforma deveria ser utilizada somente por médicos, mas admite que houve falha em não informar que as opções sugeridas seriam parte de opções para o médico. O aplicativo está fora do ar desde 21 de janeiro. Pazuello afirmou nesta quinta no senado que o servidor responsável pelo aplicativo foi afastado.
“O aplicativo tem como objetivo facilitar a adoção de uma determinada conduta. Além do aplicativo, que foi lançado em Manaus, vários colegas que são defensores para esse tipo de medicamentos, foram para lá orientar os médicos locais e vários desses médicos na realidade foram constrangidos a prescrever esse tipo de medicamento”, comenta Starling.
NOVA COBRANÇA – Na semana passada, o TCU fez outra cobrança por mais esclarecimentos ao Ministério da Saúde e também ao comando do Exército sobre a produção e distribuição de cloroquina.
O ministro Benjamim Zymler quer informações sobre a doação feita pelos Estados Unidos de 3 milhões de comprimidos de cloroquina, os critérios de distribuição para secretarias estaduais e municipais, e detalhes dos processos de dispensa de licitação para compra de insumo para produção de cloroquina no laboratório do Exército. O Ministério da Saúde e o Comando do Exército têm 15 dias para responder ao tribunal.
O Ministério da Saúde não quis comentar o documento entregue ao Tribunal de Contas da União e enviou a mesma nota de quinta-feira, em que afirma que aumentou a distribuição de cloroquina pra atender à demanda dos estados.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Na Esplanada, alguém precisa informar urgentemente ao presidente Bolsonaro e ao ministro Pazuello que já foi inventado o gravador e, portanto, fica ridículo tentar desmentir afirmações que estão mais do que gravadas, porque já se tornaram públicas e notórias, conforme preveem as leis em vigor. (C.N.)