Deu em O Tempo(Estadão Conteúdo)
A ginástica operada pelo Ministério da Saúde para manipular os dados da pandemia da Covid-19 ocorreu após determinação do presidente Jair Bolsonaro para que o número de mortes pelo coronavírus fique abaixo de mil por dia.
Para se enquadrar no limite imposto pelo chefe do Executivo, a solução foi separar os óbitos ocorridos nas últimas 24 horas das mortes de datas anteriores, mas que só foram confirmadas naquele período. Até a semana passada, o Ministério da Saúde somava todas as mortes confirmadas em um mesmo dia, independentemente de quando ela havia ocorrido.
CULPAR A IMPRENSA – A estratégia do Palácio do Planalto é uma tentativa de demonstrar que não há uma escalada da doença fora de controle e, ao mesmo tempo, apontar que há um exagero da imprensa. A ideia de Bolsonaro é mostrar que o número de mortes nunca esteve acima de mil por dia, mas apenas a consolidação dos dados de pacientes que morreram em datas anteriores. O Brasil tem 37.312 óbitos e 685.427 casos confirmados da Covid-19. É o segundo país em número de contaminados, e o terceiro em mortes.
O Brasil superou o número de mil mortes diárias pela primeira vez em 19 de maio. No dia 3 de junho, o país bateu recorde com o registro de 1.349 óbitos em 24 horas. Foi nessa data que o governo atrasou pela primeira vez a divulgação do balanço da pandemia, que passou a ser enviado por volta das 22h. No dia seguinte, novo recorde: 1.473 óbitos e mais um atraso.
Na última sexta-feira, 5, terceiro dia seguido de atraso, o presidente se recusou a responder de quem havia partido a determinação para postergar a publicação dos dados. Na ocasião, ele disse: “Acabou matéria no Jornal Nacional”, referindo-se ao telejornal da “TV Globo”, o de maior audiência no país.
PLANTÃO DO JN – Naquela noite, quando o Ministério da Saúde atualizou o balanço, a emissora interrompeu a programação da novela com um “plantão” para informar os números.
Na mesma sexta-feira, o portal do Ministério da Saúde com o balanço da pandemia saiu do ar. Após 19 horas, a página retornou, mas passou a apresentar apenas informações sobre os casos “novos”, ou seja, registrados no próprio dia.
Os números consolidados da doença e os históricos dela desapareceram. No domingo, 7, o governo anunciou que voltaria a informar seus balanços sobre a doença. Mas mostrou números conflitantes, divulgados no intervalo de poucas horas. O erro foi corrigido nesta segunda-feira.
A IMPRENSA REAGE – Nesta segunda, 8, em resposta à decisão do governo Jair Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia de Covid-19, os veículos “O Estado de S. Paulo”, “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Extra”, “G1” e “UOL” decidiram formar uma parceria e trabalhar de forma colaborativa para buscar as informações necessárias nos 26 Estados e no Distrito Federal. O balanço diário será fechado às 20h.
Após a repercussão negativa das restrições de acesso às informações da pandemia, a avaliação do governo é que a equipe do ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello executou mal a determinação do presidente. A ordem agora é ajustar a divulgação dos dados para demonstrar que foi um erro e não uma falta de transparência.
Desde o início da pandemia, Bolsonaro minimiza o impacto da crise sanitária. O presidente defende o fim do isolamento social e quer a retomada das atividades econômicas. Apesar da curva ainda em ascensão da doença, ele já pediu para empresários para que pressionem governadores pela extinção da quarentena.
MAQUIAR DADOS – O secretário-executivo da Saúde, coronel Elcio Franco Filho, enviou para a sua equipe vídeo do empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan e defensor do presidente Bolsonaro, afirmando que “não condiz com a realidade” informar que mais de mil mortes pela Covid-19 foram confirmadas num único dia. A distribuição do vídeo foi noticiada pelo jornal “Valor Econômico” e confirmada pelo “Estadão”.
No vídeo usado como exemplo para alterar a forma de divulgação do boletim da Covid-19, Hang ainda afirma, sem apresentar dados, que os “hospitais estão vazios”. O empresário diz que havia sido informado pelo deputado federal Osmar Terra (MDB) sobre suposta falha na divulgação dos dados da Covid-19. Terra tem atuado como conselheiro do presidente Jair Bolsonaro e do ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, sobre a doença.
O número de vítimas pelo novo coronavírus confirmadas de um dia para o outro, de fato, não significa que todas as mortes ocorreram neste período. Os dados consideram investigações de óbitos que só foram encerradas nas últimas 24h, mas podem ter acontecido semanas antes.
DIA RECORDISTA – Segundo balanço da última quinta-feira, 4, do Ministério da Saúde, o dia com maior número de mortes (670) pela Covid-19 no Brasil foi 12 de maio. Para técnicos da pasta, porém, não é correto afirmar que se trata do pico da doença, pois há mais de 4 mil mortes em análise.
Como o “Estadão”, revelou, informes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) enviados ao Palácio do Planalto e a ministros alertam para alta subnotificação de infectados e mortos no Brasil.
“A participação do Brasil torna-se mais significativa se for considerado que o país tem 10 a 15 vezes menos testes diagnósticos realizados por milhão de habitantes que os demais (países) e, portanto, é provável que os números brasileiros estejam subestimados e sejam de maior proporção do que os apresentados”, afirma relatório de 12 de maio.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Não havia motivos para brigas. Bastava divulgar assim: “Hoje morreram 671 infectados e foram confirmados 340 casos anteriores, num total de 1.011 vítimas fatais”. Qualquer outra forma de divulgar significa maquiar os números, para mais ou para menos. É por isso que se diz que a estatística é a arte de torturar os números até que eles confessem o que pretendemos. (C.N.)
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Não havia motivos para brigas. Bastava divulgar assim: “Hoje morreram 671 infectados e foram confirmados 340 casos anteriores, num total de 1.011 vítimas fatais”. Qualquer outra forma de divulgar significa maquiar os números, para mais ou para menos. É por isso que se diz que a estatística é a arte de torturar os números até que eles confessem o que pretendemos. (C.N.)