Juliana CastroO Globo
Procurador regional eleitoral no Rio entre 2008 e 2010, Rogério Nascimento atualmente faz parte da força-tarefa da Lava-Jato que atua na segunda instância. Diante da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que crimes ligados a caixa 2, como corrupção, devem ir para Justiça Eleitoral, ele diz que haverá perda de eficiência na análise dos casos. E não porque a Justiça Eleitoral seja ineficiente, mas porque ela não foi concebida com essa finalidade. Como o juiz eleitoral acumula função com sua Vara original, boa parte dos magistrados que atua junto aos tribunais regionais eleitorais não atuam na área criminal, em que crimes de corrupção são julgados – eles podem ser juízes da Vara de Família, de Fazenda, por exemplo.
Além disso, Nascimento alerta que os processos podem ser impactados por conta da descontinuidade dos mandatos de juízes eleitorais e promotores eleitorais, que duram dois anos.
Falta estrutura à Justiça Eleitoral para julgar esses casos de crimes de corrupção conexos ao caixa dois?Tenho dito que não é exatamente falta de estrutura. Eu diria que é inadequação de estrutura, porque a estrutura da Justiça Eleitoral é boa para as finalidades para a qual ela foi concebida originalmente. Para julgar causas eleitorais, ela está aparelhada, para organizar eleição, para alistar eleitor, apurar voto ela está muito bem organizada e dá show de eficiência. Mas desde o início, ela não teve a investigação e julgamento de causas criminais como uma de suas funções primordiais e, portanto, não se estruturou para isso. Não é que falta estrutura à Justiça Eleitoral. Isso acaba virando um argumento que lá no próprio julgamento do STF terminou distorcido. Não estamos dizendo que a Justiça Eleitoral é ineficiente para aquilo que ela tem vocação. Mas ela não tem estrutura adequada e suficiente para julgar crime, muito menos crime complexo.
Por quê?Porque os juízes eleitorais têm um curto mandato de dois anos. Os promotores e procuradores também. A estrutura do Ministério Público Eleitoral, por exemplo, é um procurador-eleitoral e um procurador substituto e um promotor por zona eleitoral, acumulando suas funções ordinárias de promotor de Justiça com a função de promotor eleitoral. Hoje, temos forças-tarefas (da Lava-Jato), mais de uma dezena de procuradores em tempo integral dedicados a trabalhar com esses crimes e ainda está levando cinco anos (tempo da Lava-Jato) para trabalhar essas investigações. Você vai tirar isso, vai colocar na mão de um procurador regional eleitoral que tem toda a matéria eleitoral para cuidar, como prestação de contas, propaganda, abuso de poder político e econômico, compra de votos, e agora ainda ter que fazer o trabalho que uma força-tarefa, em tempo integral, faz. Não vai funcionar.
A corrupção é um crime julgado no âmbito criminal. Os juízes eleitorais têm áreas de atuação diversas. Como fica esse julgamento?O juiz eleitoral nunca é só um juiz eleitoral. Ele é um juiz emprestado. Este é o problema. O juiz eleitoral pode ser um juiz de Vara de Família, de Vara de Fazenda, que acumula com o eleitoral. Às vezes, pode ser um juiz criminal que está ali acumulando essa função. Pode ser um juiz de qualquer competência. Ele (juiz) tem que estar no mesmo dia pensando toda a complexidade de direito de família, todo o eleitoral e todo o criminal ao mesmo tempo. Existe uma lição básica de divisão de trabalho que a humanidade aprendeu há centenas de anos: sempre que possível tem que especializar. Então, você vai ter esse juiz tendo que lidar com a complexidade do cível, do crime e com a complexidade do eleitoral, tudo ao mesmo tempo. Não é difícil imaginar que vai perder eficiência.
Não é que o juiz eleitoral não esteja preparado…Coloca ele só para fazer crime, ele vai se adaptar, vai se atualizar e ele vai dar conta. Coloca para fazer eleitoral, ele vai dar conta, para fazer Vara de Família, ele vai dar conta. Coloca ele (juiz) para fazer as três coisas ao mesmo tempo e é muitíssimo provável que seja um gênio ou vai perder eficiência porque acaba tendo uma atribuição muito ampla. É um oceano de um metro de profundidade. Vai ter uma enorme extensão e não vai ter profundidade nenhuma. Não faz sentido.
Como fica a parte de estrutura de servidores?Não existe um quadro de servidores do MP Eleitoral. Ou ele (promotor) vai usar a estrutura do gabinete dele ou ele não vai usar porque não tem outro. Não existe uma estrutura de apoio para o MP Eleitoral. O que o promotor tem (de estrutura) já está dimensionado para dar conta das tarefas dele fora da área eleitoral. Se ele tem uma estrutura que dá conta de uma tarefa, e agora passa a ter aquela tarefa e mais uma, não dá conta. Essa atribuição não é exclusiva, ele não vai fazer só isso. Ele vai continuar fazendo tudo o que ele fazia, mais o eleitoral. O promotor eleitoral não necessariamente é um promotor criminal, muito frequentemente não é. Tem ainda o problema da descontinuidade por ser mandato. Ele fica ali dois anos. Além de não ter exclusividade, esse procurador perde atribuição no meio do caminho, O processo (sobre corrupção e caixa dois) começa, entra um novo procurador e quando esse novo estiver familiarizado, já vai vir um novo. Em cinco anos de Lava-Jato já estaríamos na terceira equipe.
Na Justiça Federal, o então juiz Sergio Moro, em Curitiba, e o juiz Marcelo Bretas, no Rio, ficaram um bom tempo se dedicando exclusivamente à Lava-Jato e suas varas na recebiam outros casos. Isso seria possível se fosse na Justiça Eleitoral?A ideia de força-tarefa é para isso. Quando você tem muita complexidade, você precisa, pelo menos em alguns períodos, ter exclusividade e o eleitoral não vai dar margem para isso. Imagina se você tem um promotor eleitoral numa zona eleitoral que corresponda à área da Barra da Tijuca. E próximo à eleição, ele está com a investigação de um suposto crime envolvendo corrupção e caixa dois. E ai? Não tem eleição na zona eleitoral da Barra? Ele pode ficar com exclusividade? Não tem como.
Como será definido onde ficarão os processos de corrupção como crime conexo ao caixa dois que devem migrar da Justiça comum para a Eleitoral?Vai para o juízo da prestação de contas. Se a eleição for municipal, vai para a zona eleitoral onde o político fez o registro e prestação de contas. Se for eleição geral, vai ser direto no TRE, em caso de candidatos a governador, senador e deputados.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Em tradução simultânea, o Supremo fez uma lambança ao transferir para a Justiça Eleitoral os crimes de corrupção conexos ao caixa 2. Apenas isso. (C.N.)
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Em tradução simultânea, o Supremo fez uma lambança ao transferir para a Justiça Eleitoral os crimes de corrupção conexos ao caixa 2. Apenas isso. (C.N.)