Thiago HerdyO Globo
Candidata do PSL de Minas Gerais ao cargo de deputada federal nas eleições do ano passado, Adriana Moreira Borges afirma que um assessor do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio , condicionou um repasse de R$ 100 mil do fundo partidário do PSL para sua campanha à devolução de R$ 90 mil ao partido. Em entrevista ao GLOBO, ela contou que a garantia de retorno dos valores deveria ser dada por meio de nove cheques com valores em branco, assinados por ela. Segundo a candidata, as condições para o repasse foram informadas a ela por Roberto Silva Soares, mais conhecido como Robertinho Soares, ex-assessor do gabinete de Álvaro Antônio na Câmara dos Deputados e atual primeiro-secretário do diretório do PSL em Minas.
Na entrevista, ela contou que Soares a chamou no fim de agosto do ano passado para ir ao hotel onde ficava hospedado, na região Central de Belo Horizonte, para tratar da possibilidade de ela ser nomeada presidente do PSL Mulher na capital mineira, posto que daria visibilidade à sua candidatura.
No local, ela diz ter sido informada que tudo estava certo para que o pleito fosse atendido. Mas, para receber recursos públicos de campanha, o caminho a ser percorrido seria outro.
A PROPOSTA — “Ele me fez uma proposta para que eu recebesse R$ 100 mil. Ficaria com 10% para minha campanha e assinaria cheques em branco para que ele pudesse, com os R$ 90 mil restantes, pagar a campanha de outros candidatos — contou a candidata, em entrevista ao GLOBO.
Adriana afirma que não aceitou as condições para o repasse e, por isso, recebeu do partido apenas R$ 4 mil, pagos em duas parcelas de R$ 2 mil. Diz ter ficado “chocada” ao ouvir a proposta. “Eu pensava: meu Deus! Como ativista política, que quer que o Brasil dê certo, de repente você percebe que o PSL é igual aos outros partidos” — contou a candidata. Imediatamente após o encontro, ela diz que ligou para o pai, advogado, contando a história. “Eles estavam me usando como número, apenas para ter uma cota”.
TERCEIRA TESTEMUNHA – Adriana é a terceira integrante do PSL a denunciar a existência de um esquema para desvio de verbas públicas do fundo de campanha do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, em Minas Gerais. As suspeitas de lavagem de dinheiro levaram Bolsonaro a se desentender com o ex-presidente nacional do partido, Gustavo Bebianno, que foi demitido da Secretaria-Geral da Presidência.
O caso é investigado pelo Ministério Público de Minas Gerais e pela Polícia Federal. Nesta quinta, Adriana prestou depoimento a promotores de Minas. O GLOBO teve acesso ao documento, onde ela reafirma o que disse ao jornal.
A candidata conta que à medida que a campanha avançava, no fim do ano passado, insistiu com o assessor sobre a necessidade de receber recursos partidários. Segundo ela, Soares, então, a orientou a entrar em contato com Marcelo Álvaro Antônio, presidente do partido no estado, porque “ele estava decidindo sobre este assunto”. Adriana diz não ter feito o contato.
DOAÇÃO – A candidata conseguiu uma doação de R$ 20 mil do empresário e fundador da empresa Localiza, José Salim Mattar Júnior, e tocou sua campanha. Salim Mattar é o atual secretário especial de Desestatização e Desinvestimento do Ministério da Economia, no governo Bolsonaro.
Com os recursos obtidos, Adriana afirma ter investido principalmente em campanha virtual. Nas redes, ela se apresentava como “mãe mineira, ativista de direita e conservadora”, defensora de “um Brasil livre do comunismo e da corrupção”. Obteve 11.830 votos, ou 0,12% do total, e não foi eleita. Ela gastou R$ 22,6 mil dos R$ 24 mil que recebeu. Diz que não denunciou o caso antes porque não sabia que outros candidatos também receberam propostas condicionadas à devolução de recursos para o partido.
GRAVADOR – Nunca pude imaginar que ia receber uma proposta dessas. Se imaginasse, teria entrado com um gravador no hotel. Nós que entramos no PSL achávamos que este era um partido do bem. Nós queríamos mudar este país. Foi um choque tão grande, que quando fui embora, entrei dentro do carro e fiquei cinco minutos respirando. Como é que pode? Que nojeira — disse a candidata, que afirma ter cópias de conversas com o assessor por Whatsapp. Nos diálogos, a proposta de devolução de valores não é mencionada.
A primeira candidata do PSL a denunciar desvio de recursos de campanha foi a candidata a deputada estadual Cleuzenir Barbosa, de 47 anos. Ela registrou em boletim de ocorrência que assessores de Álvaro Antônio cobraram dela a devolução de metade dos R$ 60 mil que recebeu de recursos públicos na eleição.
COM O MINISTRO – A segunda testemunha foi Zuleide Oliveira, de 41, que não concorreu nas eleições, mas disse à “Folha de S. Paulo” ter recebido orientação semelhante do próprio ministro, em reunião no seu escritório político, para ser candidata e devolver valores.
Reportagem do mesmo jornal mostrou, ainda, no mês passado, que outras quatro candidatas do PSL receberam R$ 279 mil do fundo partidário. Elas tiveram votação ínfima, entre 196 e 885 votos, e gastaram a maior parte dos recursos em empresas ligadas a assessores de Álvaro Antônio.
Em 2018, Adriana Moreira Borges fez campanha em dobradinha com o candidato a deputado estadual Julio Hübner, a quem procurou para contar sobre a condição imposta pelo partido para receber recursos do fundo partidário. Em entrevista ao GLOBO, ele também confirmou o relato da colega de partido:
O QUE FAÇO? – “Ele me procurou perguntando ‘o que eu faço, para que lado eu vou?’. Mostrei a ela as possibilidades que estavam na mesa, como pegar o dinheiro e dividir entre as candidatas mulheres, gastar na própria campanha e simplesmente não devolver. Ou, então, aceitar a proposta indecorosa e ficar o resto da vida arrependida – contou.
Ele diz ter se arrependido de não ter convencido a colega a aceitar a proposta do assessor do PSL e denunciar, em seguida, “os bastidores da política como ela é”. “Somos ativistas, atuamos pelo moralismo na política e contra falcatruas, como poderíamos aceitar uma coisa dessas?”
Assim como ela, Hübner também se diz frustrado com os rumos do partido: “O sentimento de desprezo por eles foi tamanho, que a gente preferiu seguir a vida. Você tá ralando para mudar a política e chega um cara e faz um trem desses? A gente também não tinha consciência de que isso estava acontecendo com outras pessoas. Se denunciássemos, seria a nossa palavra contra a deles”.
E BOLSONARO? – Hügner diz temer que Bolsonaro, a quem ainda confia, “passe a mão na cabeça” de Álvaro Antônio: “Ele foi um oportunista de plantão, que usou o nome de Bolsonaro para se eleger e nada fez em prol do partido e dos outros candidatos. Ele centrou tudo na campanha dele.
Procurado na noite desta quinta, Soares negou a acusação de Adriana e disse que “nunca houve a conversa” mencionada pela candidata. “Posso te afirmar com 100% de certeza que essa senhora não tem nenhuma prova da acusação. Lamentavelmente, existe uma campanha de difamação na tentativa de atingir o ministro Marcelo Álvaro Antônio com denúncias sem fundamento”.
NA JUSTIÇA – Soares disse estar disposto a “processar essa senhora pela acusação infundada” e acreditar que “a Justiça irá provar no tempo certo” sua inocência.
Em nota, o ministro do turismo Marcelo Álvaro Antônio informou que “não autorizou ninguém a pedir a devolução de recursos do fundo partidário”, que “desconhece e repudia essa prática”. De acordo com o texto, “como o assunto já está sob a responsabilidade do Ministério Público, ele espera que a denúncia seja apurada para mostrar a verdade dos fatos”.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – O editor da Tribuna da Internet ficou pensando no assunto. Afinal, o que falta para o ministro do Turismo ser demitido? E de repente o editor encontrou a resposta. É claro que falta a mensagem de Carlos Bolsonaro chamando o ministro de mentiroso. Sem essa senha, o presidente Bolsonaro fica na dúvida sobre como deve proceder. (C.N.)
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – O editor da Tribuna da Internet ficou pensando no assunto. Afinal, o que falta para o ministro do Turismo ser demitido? E de repente o editor encontrou a resposta. É claro que falta a mensagem de Carlos Bolsonaro chamando o ministro de mentiroso. Sem essa senha, o presidente Bolsonaro fica na dúvida sobre como deve proceder. (C.N.)