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domingo, dezembro 06, 2009

Pura teimosia

Dora Kramer


O governo brasileiro en­­­saia um providencial recuo na decisão de não reconhecer a legitimidade da eleição presidencial em Honduras. Atitude que será tão mais bem vista quanto mais o governo Luiz Inácio da Silva apressar o passo, deixar aquele país em paz com suas circunstâncias internas e sair da enrascada em que voluntária e equivocadamente se envolveu.

Se insistir em “marcar posição”, o Brasil ficará ao lado da ile­­galidade. Honduras tem um presidente eleito em processo que obedeceu ao calendário institucional, estabelecido desde antes da rechaçada tentativa de Manuel Zelaya de mudar a regra do jogo ao molde do populismo golpista em voga na América Latina e da desastrada deposição do presidente.

Ato condenável pela forma, o uso da força, mas que na essência obedecia à Constituição hondurenha que considera cláusula pétrea a proibição de reeleição e diz que o governante que violar o dispositivo ou propuser sua reforma será destituído do cargo e afastado de funções públicas por dez anos.

Zelaya propôs um plebiscito para tentar mudar a regra, mesmo tendo sido a proposta negada pelo Poder Legislativo. Foi denunciado pelo Ministério Público, cujo pedido de prisão foi aceito pelo Supremo Tri­­bunal Federal de Honduras. O substituto, Roberto Micheletti, foi escolhido pelo Congresso Nacional.

Pode-se não gostar do ritual, mas é a regra em vigor no país, que o então presidente tentou infringir nos últimos seis meses de mandato. No início, o mundo condenou a deposição de Zelaya, mas com o passar do tempo e o esclarecimento dos detalhes foi ficando patente que não se tratava de uma quartelada no feitio tradicional da velha “latinidad”. Era, antes, uma inédita reação ao modo novo de governos se perpetuarem no poder, inaugurado no continente por Hugo Chávez.

O Brasil viu no episódio uma oportunidade de firmar sua posição de destaque no cenário internacional. Foi assim, como um “sinal” de reconhecimento ao país, que o chanceler Celso Amorim interpretou a “escolha” da Embaixada Brasileira como abrigo de Zelaya. Estava claro desde o início que o governo de fato não cederia e procuraria ganhar tempo até a realização das eleições marcadas para 29 de novembro.

Micheletti não queria negociar nada, bem como Manuel Zelaya demonstrava pelo grau de impossibilidade nas exigências, que nada havia a ser negociado. Muito bem. As eleições aconteceram sem ocorrência de fraudes, com o comparecimento de 61% do eleitorado – note-se que Barack Obama foi eleito por 66% dos norte-americanos –, num país onde o voto é facultativo.

O Congresso rejeitou a proposta de recondução de Zelaya – cujos termos implicavam a anulação das eleições – e está tudo pronto para a posse de Porfírio Lobo em 27 de janeiro próximo. Ainda assim, três dias depois do pleito o Brasil ainda se mantinha irredutível em não reconhecer a legitimidade do eleito, para marcar posição.

É de se perguntar qual posição mesmo o governo Lula deseja marcar. A da defesa indiscutível dos princípios democráticos? Para isso seria preciso que esse mesmo governo não reconhecesse ditaduras estabelecidas nem mantivesse com elas relações sem ressalvas. Seria necessário que não adotasse o princípio segundo o qual tudo o que emana do poder é válido. In­­clusive, como no Irã, fraudar eleições.

De uns dias para cá, o Brasil deu providenciais passos atrás. “Admite” analisar a posição a ser adotada pela OEA e a ministra Dilma Rousseff disse que as eleições hondurenhas “precisam ser consideradas”.

Noves fora, o Brasil entrou numa fria para nada.

Prece com preço

Inspirado na oração dos corruptos filmados rezando em agradecimento ao “benfeitor” Durval Barbosa – o pagador de propinas – o deputado Chico Alencar escreveu a “A preço”, que já circula na internet.

A contrafação do Pai-Nosso – “a propina nossa de cada dia nos dai hoje, perdoai nossos desfalques assim como perdoamos os que malversaram antes de nós e não nos deixei cair na tentação da honestidade, mas livrai-nos do flagrante da verdade”– foi feita durante uma reunião da CNBB que discutia a or­­­ganização do Dia Interna­­­cional contra a Corrupção, na próxima quarta-feira.

O texto foi submetido aos religiosos presentes que não impuseram obstáculos à divulgação por se dizerem chocados com aquela “teologia da corrupção”.

Autores

O presidente do Senado, José Sarney, em artigo na Folha de S. Paulo, se associa aos defensores da difundida tese de que a culpa pelos males da corrupção na política é do sistema eleitoral. En­­quanto não for mudado, diz Sar­­­ney, não adianta punição nem indignação.

Em matéria de pensamento sobre o tema, mais certeiro foi Roberto Campos em frase definitiva: “Não é a lei que deve ser forte. É a carne que não pode ser fraca”.

Fonte: Gazeta do Povo

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