Dora Kramer
Reuniões com partidos da “base” em busca de uma declaração oficial de apoio, celebrações olímpicas, romaria religiosa e até uma visita de boas-vindas ao bebê de Ivete Sangalo compõem a nova agenda da ministra Dilma Rousseff em substituição à monocultura do périplo pelas obras do PAC.
Trata-se obviamente de uma mudança tática, para humanizar a figura da ministra, desmanchar a imagem de dama de ferro que soou antipática e preencher com muita agitação e propaganda o período que separa as últimas das próximas pesquisas de opinião.
Uma investida com o objetivo de mexer nos índices de intenção de voto e fazer Dilma voltar a representar uma possibilidade de poder a ser levada a sério até o início do jogo propriamente dito, em março de 2010. Muito provavelmente a tentativa será bem-sucedida, pois nessa altura dos acontecimentos as pesquisas medem muito mais o grau de exposição dos pretendentes que a vontade do eleitorado tal como ela será manifestada na hora H.
Portanto, para fins de análise do cenário para valer, levem-se em conta os eventos recreativos, mas desconte-se quase tudo que hoje se apresenta como articulação política, sob pena de se consumir mercadoria pirata. Por exemplo, o frisson pela definição “nos próximos dias” das posições do PDT, PR, PP, PSC, PRB e outros pês cuja importância na ordem das coisas é nenhuma. A não ser para criar a impressão de que o Palácio do Planalto está empenhado em, e conseguindo, “adensar o entorno”.
“Os partidos da base estão sentindo o favoritismo da Dilma”, sustenta o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza, numa demonstração de que não é hora ainda de se falar a sério. Fosse como diz o líder, não se ouviriam dois ministros, um do PDT (Carlos Luppi) e outro do PMDB (Geddel Vieira Lima), dizerem com todas as letras que o compromisso da “base” é com Lula, não com a candidatura.
Todo dia se produz uma novidade. Várias estapafúrdias. A mais recente dá conta da disposição do presidente do PMDB, Michel Temer, de intervir no diretório paulista caso Orestes Quércia insista no apoio ao PSDB.
O motivo seria “indisciplina partidária”. Ainda que disciplina partidária no caso não fosse uma contradição em termos, precisaria haver intervenção em mais uns dez diretórios Brasil afora. Rapidamente, diga-se. Antes que Quércia – controlador da máquina em São Paulo – considerasse a hipótese de expulsar Temer do PMDB, a partir de uma manobra do diretório regional.
Catequese
A Comissão Pastoral da Terra condena a divulgação das imagens dos sem-terra derrubando o laranjal e acha natural o MST depredar a fazenda da Cutrale porque as terras, em litígio judicial, seriam públicas.
Donde as almas sob orientação da CPT são ensinadas a defender a censura e a considerar o bem público terra de ninguém.Com todo o respeito que não merece a pastoral nesse aspecto, suas santíssimas andam com o juízo à deriva.
Eis a questão
Vamos ao fato: as condenações de autoridades federais às ações do MST não merecem crédito. E desacreditadas ficarão até que o governo abandone a lógica da transgressão de Estado e passe a cumprir a lei, instituída há quase dez anos por medida provisória, que retira do programa de reforma agrária terras invadidas e veda benefícios oficiais a invasores.
Quando Luiz Inácio da Silva assumiu a Presidência da República, em janeiro de 2003, o Ministério da Reforma Agrária passou a considerar “autoritário” o teor da MP e por decisão unilateral, discricionária, sem propor alteração no texto ao Congresso, deixou de cumprir a lei.
Diante disso, o palavrório supostamente indignado é espuma para amenizar o constrangimento por causa das imagens da derrubada do laranjal divulgadas na televisão.
Essa lei, aliás, seria um bom tema de discussão aos pré-candidatos à sucessão de Lula. Dilma Rousseff continuará ignorando? José Serra cumprirá? Ciro Gomes revogará? E Marina Silva, o que fará?
O magnífico
Autor de notórias declarações impróprias nas horas mais inadequadas possíveis, o ministro da Justiça, Tarso Genro, parece que brinca. O Estado não garante a segurança de uma prova que mexe com a vida de milhões de estudantes, os jovens se revoltam, as universidades desconsideram o exame como avaliação nos vestibulares, o Enem cai no descrédito, se estabelece com isso um retrocesso na já precária área da educação, e o ministro da Justiça acha bom. “Porque não apenas nós, mas toda a sociedade brasileira se tornou consciente da grande importância do Enem para a educação no Brasil.”
Por “nós” entenda-se o governo que, segundo o ministro, só percebeu do que se trata graças a dois gatunos de quinta.
Fonte: Gazeta do Povo
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