Rodrigo Lago
Em meio à tragédia e o desabrigo de milhares de famílias vitimadas pelas chuvas em Salvador, começam a aparecer fraudes e os espertalhões tentando burlar os órgãos públicos para tirar vantagens e obter auxílio para aluguel de casas alegando que o seu imóvel desabou, e também para receber colchões, cestas básicas e outros artigos doados pelo poder público e a população. É o caso de um imóvel localizado na Rua Reinaldo Praxedes, 33E, no bairro de Tancredo Neves, cujo proprietário registrou na Codesal o desabamento do mesmo para receber auxílio.
Ontem pela manhã, após obter informações da Coordenadoria da Defesa Civil (Codesal) sobre os registros de desabamento de imóveis na cidade, a equipe de reportagem da Tribuna da Bahia seguiu até o bairro de Tancredo Neves, no qual faria apuração e registro sobre o assunto. Ao chegar ao local indicado, uma situação inesperada chamou atenção para duas outras questões: a quantidade de pessoas que utiliza de momentos de caos e tragédia para ganhar vantagens a todo e qualquer custo e as falhas no processo cadastral para que o indivíduo obtenha donativos e direito ao auxílio moradia da Prefeitura de Salvador, no valor de R$ 150.
Isso porque a casa da Rua Reinaldo Praxedes estava lá, de pé. Bem simples antiga e mal cuidada, mas de pé. Sem nenhum risco aparente de desabamento, sem destroços ou qualquer indícios de desmoronamento. Também não havia ninguém na residência e funcionários de um supermercado ao lado disseram que não sabiam o motivo da solicitação de vistoria emergencial.
Informada sobre a situação, a chefe do setor social da Codesal, Maria Luíza da Silva, disse que mais de 10% das solicitações registradas tanto na sede da Defesa Civil quanto através do call center são de pessoas "trambiqueiras", que visam conseguir de forma desonesta o auxílio financeiro. "Os engenheiros acabam perdendo tempo nestes casos enquanto poderiam acelerar a análise das casas de pessoas que realmente precisam de ajuda. Algumas tentam passar pelo processo, mas a maioria não consegue. Até mesmo na tragédia, a gente precisa ficar em alerta para esta gente", explicou Luíza.
Ela admite que algumas pessoas possam ter sido beneficiadas pelos donativos e auxilio financeiro, sem que houvesse realmente necessidade. "Em alguns casos, a pessoa chega aqui chorando, dizendo que perdeu tudo. Outras falam que extraviaram a notificação de risco. Não temos como verificar tudo. Por isso, é possível sim, que tenhamos liberado o pagamento para alguém que não tenha tido a propriedade destruída". Por conta destes casos, uma reunião foi realizada na manhã de ontem na Defesa Civil, para que mais assistentes sociais fossem contratadas com o objetivo de passar um "pente fino" nos processos das pessoas já beneficiadas. "Encontrando irregularidades, o benefício será automaticamente suspenso", explica.
Mesmo diante de todo o procedimento de segurança adotado para conceder o auxílio e vetar possíveis enganos, a funcionária da Codesal diz que o número de solicitações é muito grande e que não há engenheiros suficientes para realizar, no mesmo tempo da necessidade do desabrigado, a vistoria. Para se ter uma idéia da quantidade, mais de 2.500 solicitações de deslizamento de terra, foram registradas pela Defesa Civil, desde o início do mês de maio até ontem. E, neste mesmo período, foram anotados mais de 200 desabamentos de imóveis.
O prefeito João Henrique solicitou, inclusive, que os profissionais da área de engenharia trabalhassem de forma voluntária neste tipo de trabalho, tamanha a quantidade de solicitações. Até ontem, mais de 678 cadastros sócio econômicos haviam sido preenchidos e encaminhados para a liberação dos benefícios, através da Secretaria da Economia Emprego e Renda (Setad).
Normalmente, para que a pessoa desabrigada tenha o direito à verba mensal de R$150, mais donativos, ela precisa solicitar vistoria dos engenheiros da Codesal, que, em caso de risco, emite uma notificação. Com o registro em mãos, os proprietários dos imóveis vão até a Coordenadoria, onde são entrevistados pelas assistentes sociais e, posteriormente, encaminhados para a Secretaria da Economia Emprego e Renda (Setad), responsável por liberar os donativos (lençóis, travesseiros, toalhas de banho, fronhas, mosquiteiros, kits de limpeza e filtros de água), além é claro, da verba mensal do auxilio moradia no valor de R$ 150.
Na semana passada, M. J.X. *, residente no bairro de Brotas, esteve na sede da Defesa Civil de Salvador (Codesal) para solicitar uma vistoria no imóvel em que mora. Segundo ela, a casa poderia ser atingida por um deslizamento de terra a qualquer momento. A inspeção foi programada em caráter de emergência, mas não pôde ser realizada: como acontece em cerca de 10% das solicitações registradas no órgão, o endereço fornecido não foi localizado por falta de informações precisas.
Ao registrar o pedido, M. forneceu o nome da rua em que mora e apresentou a seguinte referência: "Entrada pelo Colégio Luiz Viana, após a pracinha, desce a Ladeira do Retiro, após o bar de L. *". O técnico subiu e desceu ladeiras, entrou e saiu de becos e vielas, sem conseguir encontrar o endereço. Antes de deixar a área, ainda ligou para o telefone fornecido pela solicitante, mas de nada adiantou: o número era do local de trabalho, ela não se encontrava no momento e nenhum dos colegas sabia como chegar até sua casa. Casos como o de M.J. fazem parte da rotina da Codesal, atesta o subsecretário Osny Santos, gestor do órgão. "De tão familiarizado com o local em que mora, o solicitante acaba acreditando que é fácil chegar até sua casa", ele observa. "Mas, na prática, não é o que ocorre", constata. "Na maioria das vezes, o técnico gasta muito tempo para tentar localizar o imóvel e, nem sempre, consegue", acrescenta.
Para evitar esse tipo de transtorno, a Defesa Civil orienta que, junto com as referências do endereço, a população sempre forneça o código de logradouro (aquele número presente nas placas de identificação das ruas). "Com a indicação correta do endereço, evita-se a perda desnecessária de tempo e o atendimento é agilizado", arremata o subsecretário.
*Dados omitidos para preservar a identidade da solicitante
Fonte: Tribuna da Bahia
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