Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Vale começar repetindo: o presidente Lula está sendo sincero quando rejeita o terceiro mandato. O problema é que o PT e seus penduricalhos, alguns enormes, como o PMDB, outros médios, como o PTB, não admitem perder o poder para os tucanos, em 2010. Assim, será deflagrada a operação pelo terceiro mandato quando ficar clara a impossibilidade de vitória de qualquer candidato companheiro ou companheira, provavelmente depois das eleições municipais de outubro.
O cronograma prevê um plebiscito no primeiro semestre de 2009, para saber se a população quer mais um mandato para Lula, e, em seguida, a aprovação da emenda constitucional respectiva, pelo Congresso. Nesse caso, docemente constrangido ou não, o presidente aceitaria a decisão "democrática" do Legislativo.
O problema é ser a teoria, uma coisa, e a prática, outra. Será preciso testar a maleabilidade das forças parlamentares e a firmeza da base oficial. Por isso, o primeiro teste de fidelidade está em andamento. Trata-se da criação na nova CPMF, que deputados discutem e senadores observam.
Caso aprovada a contribuição inusitada, ainda será necessário um segundo teste, previsto para depois das eleições de outubro. O governo, ou mais provavelmente as suas lideranças, colocará em votação no Congresso alguma proposta polêmica. Ignora-se qual seja, mas não erra quem supuser alterações econômicas ou institucionais de vulto, do tipo reforma tributária ampla ou reforma política profunda.
A tropa demonstraria adestramento, no caso da aprovação, seguindo-se então o cronograma exposto acima, do plebiscito e da mudança constitucional permitindo ao chefe do governo concorrer ao terceiro mandato. Pode ser que, por ironia, com a extinção da reeleição e o aumento dos mandatos presidenciais de quatro para cinco ou seis anos. Nessa hipótese, não faltariam juristas para sustentar que o apagador foi passado no quadro-negro que zerou tudo e que qualquer brasileiro no gozo de seus direitos políticos poderá concorrer, inclusive ele.
A montagem é complicada, minuciosa e sujeita aos percalços da prática política, a começar pelos índices de popularidade de Lula. Como eles se encontram em ascensão, cada um que tire suas conclusões. Daí a importância de o PAC funcionar, de a inflação ser contida a qualquer custo, de o bolsa-família ganhar mais horizontes, de os bancos continuarem faturando como nunca, de a Amazônia deixar de constituir-se em motivo de crise - entre outros objetivos de uma boa administração...
Os mesmos de sempre
Vamos supor um carpinteiro que precisa entregar no prazo os móveis contratados com um cliente. Ele trabalhou o dia, à noite e parte da madrugada de quarta-feira, mas não conseguiu aprontar a mesa e as cadeiras. Fará o quê? Mesmo com sono, retomará suas atividades na quinta-feira de manhã, entrará pela sexta-feira adentro e ficará feliz por completar a tarefa no sábado, limite máximo do contrato.
Vale o mesmo para todo mundo, desde um autor de novelas atrasado na entrega dos capítulos finais até um cientista empenhado em entregar o resultado de pesquisa apalavrada com o dono do laboratório.
Mesmo um craque de futebol, acometido de distensão muscular, precisa superar a dificuldade com massagens, bolsas de água quente e outros artifícios, de noite e de dia, se quiser entrar em campo na hora do jogo e não perder a posição para um reserva.
Pois é, esse princípio vale para a Humanidade inteira. Menos para os nossos patrióticos deputados, que, sem conseguir votar o projeto da nova CPMF na noite de quarta-feira e na madrugada de quinta, foram para casa dormir e para o aeroporto horas depois, deixando o plenário vazio e a proposta para a semana que vem.
No caso, até que foi bom para todos nós, porque esse novo imposto é abominável. Mas o comportamento de Suas Excelências vem sendo o mesmo, há décadas, em especial quando se trata de projetos de interesse nacional. Não cumprem o contrato que têm com o eleitorado, de legislar de acordo com suas responsabilidades. Depois, vão reclamar quando ele não for prorrogado, nas próximas eleições...
Contradições
Encontra-se o Judiciário próximo de determinar que candidatos a postos eletivos respondendo a processos criminais em fase adiantada terão negados seus pedidos de registro para disputar eleições. Com as cautelas de sempre, ou seja, atingindo apenas aqueles cidadãos de evidente folha corrida desastrosa. Quem já foi condenado, ou encontra-se na iminência da condenação, quem enfrenta seguidas denúncias de improbidade, deverá ficar fora do processo eleitoral. Nada mais justo, apesar da necessidade de minuciosa regulamentação desse princípio.
Por analogia, a cautela deveria valer, também, para a escolha dos integrantes do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Em dúvida, é claro, deve beneficiar-se o réu. Todos são inocentes até que se lhes prove a culpa. Mesmo assim, certas ressalvas tornam-se imprescindíveis. O novo presidente do Conselho de Ética não foi condenado, mas responde a três processos de improbidade ad ministrativa junto ao Supremo Tribunal Federal. Seria o melhor nome para ocupar a função, ele que decidirá sobre acusações idênticas feitas contra seus colegas?
Cuidados
Voltou o presidente Lula, esta semana, a bater na mesma tecla de que o seu governo é único na História do Brasil, que pela primeira vez os pobres têm vez, que nenhum antecessor cuidou deles, desde a proclamação da República.
Já nos acostumamos a essas demonstrações de, com todo o respeito, soberba e empáfia. Afinal, constituiu-se o nosso passado numa mentira, apesar de muitos ex-presidentes terem desprezado os menos favorecidos, governando apenas para o andar de cima? Nesse caso, quem poderá garantir que o futuro será uma verdade?
Melhor faria o presidente se daqui por diante se abstivesse de jogar pedras no passado, utilizando todas elas para construir o futuro. Afinal, de Deodoro da Fonseca a Getúlio Vargas, de Juscelino Kubitschek a João Goulart, sem esquecer os generais-presidentes, muitas almas aflitas devem estar querendo voltar para esclarecer os fatos...
Fonte: Tribuna da Imprensa
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