Karla Correia BRASÍLIA
O senador Sérgio Guerra (PSDB-PE) encarou um batismo de fogo na sua chegada ao comando do PSDB. Menos de um mês depois de eleito presidente do maior partido da oposição ao governo, teve que equacionar o embate entre senadores e governadores da legenda, que assumiram lados opostos no debate em torno da votação da CPMF. Passada a batalha, Guerra se esforça para transformar em louros a vitória obtida e evitar que as fissuras no relacionamento entre as estrelas do alto tucanato prejudiquem o ganho político obtido com a queda do imposto do cheque. Afirma categoricamente que o PSDB está unido, às vésperas do ano de eleições municipais e a despeito da queda de braço entre dos nomes de peso da sigla - José Serra e Geraldo Alckmin - para definir a candidatura à prefeitura de São Paulo. E promete endurecer ainda mais o discurso contra o governo, caso o presidente Lula descumpra a promessa de não elevar alíquotas de impostos para cobrir o buraco na arrecadação causado pelo fim da CPMF. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Sérgio Guerra.
O PSDB acabou tendo uma participação decisiva na queda da CPMF. Quais são os frutos políticos mais imediatos dessa vitória sobre o governo?
Para nós, o mais importante é que essa vitória produza o reconhecimento, pelo governo, de que a política do toma lá-dá-cá, aquela que se faz com os parlamentares, não com os partidos, que produziu ao longo dos últimos anos sucessivas crises, não dá certo. E que se a relação se desse entre partidos na discussão de interesses coletivos para concordar ou não concordar, mas para valorizar o Congresso e a democracia.
O senhor acredita que o episódio ajude a melhorar a relação entre Senado e o Planalto?
Depende do governo. Se o governo não se achar, e acabar com aquela atitude, que não deu certo, de cooptar parlamentares, de desfazer partidos, ele tem chance de estabelecer uma relação sem crise. Isso é fundamental para o Congresso e para a sociedade. Os últimos cinco anos foram recheados de confrontos dessa natureza. O mensalão é só o exemplo mais agudo e o mais representativo de uma política que não deu certo em votação de matérias importantes para o governo. Espero que a lição tenha sido compreendida.
E o senhor acha que foi?
Ainda está cedo demais para avaliar, mas reconheço que existem chances de dar certo. Se não der, pior para o governo. Pior para o país.
O resultado fortaleceu os partidos oposicionistas?
Mais do que isso, deixou claro que o governo não é absoluto. E que a oposição pode impor derrotas, inclusive em matérias importantes. Acredito que o Planalto tenha perdido um pouco da sensação de invulnerabilidade que o cercava.
A oposição estava precisando disso?
E como! Mas eu digo mais, a democracia estava precisando disso. A oposição retomou o ânimo, deu uma demonstração de força.
Essa retomada pode influenciar as eleições de 2008?
O que eu falei antes tem a ver com isso. O governo vai propor cortes no início de um ano com características diferenciadas, com eleições nos municípios. Vamos estudar qual a natureza desses cortes. Se houver uma proposta de corte nas despesas inúteis, nas obras inúteis, nos investimentos eleitoreiros, nas despesas eleitoreiras, no aparelhamento do Estado, estaremos em um rumo acertado.
O senhor falou em cooptação de partidos. O governo foi muito agressivo na atração de políticos?
Não fosse a interferência da Justiça Eleitoral, com o julgamento sobre a questão da fidelidade partidária, teríamos um projeto acabado e bem-sucedido do governo sobre a desestruturação dos partidos da oposição. Essa variável influenciou muito os ânimos na votação da CPMF, não só naqueles casos em que as legendas pressionaram seus dissidentes a votar, mas também na disposição interna dos partidos.
Como foi isso?
O governo simplesmente não negociou. Na Câmara, o que aconteceu foi a política da cooptação pura e simples, até mesmo nas ditas legendas aliadas. Furnas entrou nesse negócio, a nomeação do Luiz Paulo Conde para a presidência da estatal é um exemplo claro do que eu digo. No Senado, o governo entrou no jogo achando que ia ganhar, mesmo ciente das dissidências em sua base. De novo, não negociou com os partidos de oposição, com o PSDB em particular. Quando viu que não ia ganhar, o presidente Lula, enfim, trabalhou pela negociação. Mas aí já não havia tempo material para possibilitar nenhum avanço no diálogo.
E até quando esse diálogo seria possível?
As propostas que eles adotaram no final, como a prorrogação da CPMF apenas por um ano e fazer a reforma tributária, foram apresentadas no começo por nós. Quando eles achavam que iriam ganhar sequer cogitaram discutir essas idéias. Voltaram a elas três dias antes da votação, aí já não era mais tão fácil para o partido voltar atrás. As pessoas já tinham se posicionado de uma forma praticamente irreversível, os discursos já haviam avançado e, por último, não havia base legal para garantir o acordo. Qualquer medida verdadeiramente garantidora implicava voltar com a CPMF para a Câmara. E não havia mais tempo. Projetos a posteriori não seriam aceitos como garantia.
O partido chegou a firmar um acordo com o governo e depois recuar?
Não... é preciso entender que o nosso partido não tem dono. E faz tudo à luz do dia. Mas, do primeiro ao último dia, eu afirmei que a bancada daria seus 13 votos e que votaria unida. Nós nunca cogitamos nos dividir, e demos os 13 votos contra sem nenhum constrangimento. Era essencial votar unido, era um sinal muito importante para nós.
A bancada estava unida, mas o partido não...
Os governadores estavam do lado do financiamento da saúde, da solução definitiva para o setor. Era um ponto de vista, mas que não foi totalmente adotado pela bancada.
Nesse ano o Judiciário acabou assumindo um papel que seria do Congresso, ao impor as regras de fidelidade partidária. Onde está a discussão da reforma política, que sempre foi uma bandeira do partido?
A primeira grande oportunidade de se fazer a reforma política foi perdida no primeiro governo do presidente Lula. Ao invés de fazer a reforma e moralizar as relações entre partidos, ele preferiu cunhar uma solução própria e fez o mensalão. Achou que não precisava de uma reforma política formal para governar, para mudar a forma de se relacionar com os partidos. E dá a impressão, agora, de que pensa o mesmo da reforma tributária.
Mas o governo não tem afirmado com freqüência sua intenção de fazer a reforma tributária?
Essa expressão tem sido usada como uma bandeira, não existe até agora uma expressão concreta de vontade política do governo. Na primeira tentativa, ele fatiou a reforma, votou o que lhe interessava e depois parou. O governo só admitiu a reforma tributária, só voltou a falar no assunto quando viu que não tinha voto para aprovar a CPMF. Agora, voltando ao outro tema, eu acho que uma mudança da democracia do Brasil, para melhorá-la, passa pela reforma política, necessariamente.
É bom lembrar que o partido enfrentou também um problema relacionado com a questão do financiamento de campanha, no caso do chamado mensalão mineiro, com o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG)...
Sim. Existe uma denúncia que está sendo analisada no lugar adequado. Na Justiça, e não com um julgamento político. Eu tenho completa confiança de que o senador não tem culpa.
O PSDB também?
O PSDB acredita no político Eduardo Azeredo, eu também e o povo de Minas também. O Senado inteiro também. Ele é uma pessoa honesta, pronto! Isso é muita coisa.
Por que, então, o Fernando Henrique Cardoso economizou tanto nas palavras, na defesa do senador Eduardo Azeredo durante a convenção do partido?
Nós todos combinamos de afirmar o mesmo conteúdo em relação ao Azeredo. O Fernando Henrique também. Uns foram mais incisivos, outros menos. É mais questão do jeito de se falar, de estilo pessoal.
Isso não mostra uma divisão de opiniões sobre o caso dentro do partido?
Não, de forma nenhuma.
Então hoje não há rachaduras que preocupem o PSDB?
Existem, mas muito menos do que houve no passado. A disputa mais notória hoje é entre os governadores de Minas e de São Paulo. Estou há um mês na presidência do partido e falo com franqueza que ainda não senti reflexo nenhum dessa disputa. Não percebi essa disputa. Pelo contrário. Na CPMF, por exemplo, o posicionamento deles foi coincidente.
E a queda de braço entre o governador José Serra e Geraldo Alckmin para definir a candidatura do partido à prefeitura de São Paulo?
É uma disputa, não uma rachadura. Isso o diretório local vai resolver. Isso é democracia interna do PSDB. Não existe racha no partido. É uma coisa muito engraçada que acontece com o PSDB. Tem uma disputa pela liderança do partido na Câmara e todos já falam em racha. Por que? Ora, em todos os partidos acontece isso
Por que o senhor acha que o PSDB tem essa imagem de legenda sempre às voltas com guerras internas?
Porque é um partido aberto, onde todos podem falar e que tem muitos nomes influentes. E é da nossa natureza expor esses pontos de vista. Ficamos vulneráveis a essa interpretação de racha, mas é o nosso método.
O senhor acredita na promessa feita pelo governo de não elevar as alíquotas dos impostos?
Eu acho que até fevereiro o presidente Lula não mexe com imposto. Depois, ninguém sabe o que vai acontecer. Se o governo tiver uma atitude diferente da de sempre, uma posição responsável no cumprimento de compromissos, vai amadurecer o diálogo com a oposição. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que a reforma tributária está pronta. Eu acredito no ministro. Ele disse, durante as negociações pela CPMF, que era uma questão de dias o envio da reforma ao Congresso. Até fevereiro, é um montão de dias. Mas nós demos o nosso voto de confiança.
E se, no final, houver aumento nos impostos...
A situação política nos próximos três anos vai ficar muito ruim.
Fonte: JB Online
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