POR; ELIO GASPARI
Nosso Guia fez bem ao vetar a emenda que impedia os auditores da Receita de fechar falsas empresas prestadoras de serviços. Quando um auditor da Receita agride uma funcionária de pedágio porque tentou passar (a serviço) sem pagar o que a moça estava obrigada a cobrar, teme-se que a concessão de tamanhos poderes a esses servidores sacramente a truculência. Apesar disso, não se pode supor que condutas desse tipo sejam a norma. O poder de a Receita fechar uma falsa pessoa jurídica atende ao interesse da sociedade porque há falsas pessoas jurídicas, que lesam seu interesse. Tomem-se dois exemplos. Num, um médico. Noutro, um jornalista, publicitário ou arquiteto. O médico criou uma empresa prestadora de serviços. Tem contratos com dois hospitais e deles recebe R$ 10 mil por mês. Mantém um consultório, onde emprega uma atendente e dele retira outros R$ 10 mil. Como pessoa jurídica, esse cidadão paga R$ 2.900 de tributos mensais. Se recebesse R$ 20 mil como pessoa física, pagaria R$ 5.800. A renda do consultório é típica do prestador de serviços. Ademais, gera o emprego da atendente e dos funcionários do prédio. Nos hospitais, ele dá dois dias de serviço por semana, e essa é uma bola dividida que mais vale discutir do que esconder. O jornalista, publicitário ou arquiteto, também criou sua empresa. Não emprega ninguém e serve a um só cliente, em cuja sede tem o seu local de trabalho, usando a infra-estrutura do lugar, da secretária ao restaurante. Faz parte de uma cadeia de comando cotidiana e rotineira. Às vezes é chefe. Em alguns casos, cumpre cláusulas de exclusividade ou de restrição comercial. É um empregado. O que há aí é uma relação trabalhista dissimulada. Admitindo-se que ele recebe R$ 20 mil mensais, o fisco perde cerca de R$ 3 mil. Pior: uma empresa rival que não recorre ao expediente tem o custo de sua mão-de-obra nessa faixa salarial elevado em até 30%, por conta de outros benefícios revogados. Entre os dois exemplos há nuanças. Contribuintes que trabalham em casa e atendem sobretudo a um cliente, gente que presta serviços regulares a diversos interessados, ou mesmo profissionais cuja empresa contrata equipes próprias. Se a impugnação da empresa-biombo tiver que ser ratificada numa instância administrativa superior à do auditor que empurrou a moça do pedágio para dentro do seu carro, assegura-se a defesa do contribuinte e melhora-se a qualidade da fiscalização. Um projeto de lei mandado pelo governo ao Congresso permitirá o debate de todas as sintonias finas dessa questão. As pessoas jurídicas ectoplásmicas abençoam o andar de cima. Se essa relação é imposta a um profissional que fatura R$ 2.500 mensais, a Viúva deixa de arrecadar apenas R$ 53. Já no caso da PJ que recebe R$ 50 mil, o dreno chega a R$ 8 mil mensais. Em todos os casos esses contratos esterilizam o 13o., o FGTS e, às vezes, as férias. O mecanismo é uma criação do capital, não do trabalho. Na discussão dessas anomalias abundam relevantes argumentos jurídicos. Contudo, tratando-se de relações trabalhistas, a história ensina que jamais houve um fazendeiro que defendesse a inexorabilidade de o negro ser obrigado a trabalhar de graça. Discutiam o direito de propriedade. Em 1905, a Corte Suprema dos Estados Unidos derrubou uma lei de Nova York que proibia jornadas de trabalho superiores a 60 horas semanais nas padarias. Fez isso em nome da liberdade de contrato. ELIO GASPARI é jornalista.
Fonte: O POVO
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