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quarta-feira, agosto 21, 2024

Fazendo dívidas, brasileiros gastaram R$ 23,9 bilhões na jogatina das bets


Há cada vez mais pessoas viciadas em apostas das bets

Elio Gaspari
O Globo/Folha

O repórter Pedro S. Teixeira contou que dois economistas do banco Itaú estimaram que, nos 12 meses de junho de 2023 a junho de 2024, os brasileiros perderam R$ 23,9 bilhões apostando no setor legalizado da jogatina, as chamadas bets. Esse ervanário equivale a 1,9% da massa salarial do país e é apenas uma fatia do jogo legalizado.

Está nas livrarias “O Lado B de Boni”, com um depoimento de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, sobre sua carreira redesenhando a televisão brasileira. A certa altura, Boni conta uma de suas muitas peripécias para encantar artistas. Ele havia dado um carro de quatro portas a Dercy Gonçalves (1907-2008). Dias depois ela vendeu o carro e ele reclamou:

— Você que escolheu o carro. Por que vendeu?

— Vendi para jogar no bingo. (…) Se eu dissesse que era para jogar, você não iria me dar.

SEM LIMITES – Nem todo cidadão tem um Boni do outro lado da linha. Disso resulta que, segundo uma estimativa, um terço dos apostadores está endividado e/ou com o nome sujo na praça. A jogatina está cobrando um preço alto, não só em dinheiro. Seus laços com o crime organizado são conhecidos e ela vem avançando. As redes dos bicheiros, secularmente contidas num nicho da contravenção, expandiram-se com as máquinas de caça-níqueis.

Jogo, milícias e tráfico de drogas formam o triângulo que alimenta o crime organizado. Depois de uma década de investigações com idas e vindas, há um ano o juiz Bruno Rulière, da 1ª Vara de Combate ao Crime Organizado, do Rio de Janeiro, condenou a 13 anos de cadeia dois integrantes do Escritório do Crime. Na sua sentença, Rulière lembrou a “omissão deliberada” de agentes públicos.

É mais que isso. Com um braço, o governo federal trata de regulamentar o que chama de “jogo responsável”. Entre março de 2023 e 31 de julho deste ano, fez 251 reuniões com representantes dessa modalidade de jogatina. (Dois jogotecas usaram a porta giratória de Brasília indo do governo para a guilda do “jogo responsável”.) Nenhuma dessas reuniões incluiu o grupo de psiquiatras do Hospital das Clínicas da USP que atende pessoas viciadas no jogo.

CASSINOS – No ano passado a oposição derrubou no Senado o jabuti que permitiria o jogo em cassinos eletrônicos. Em junho, contudo, uma comissão de senadores aprovou, por 14 a 12, um projeto que legaliza o bicho, cassinos e bingos (alô, alô, Dercy).

Para combater o crime organizado, os agentes públicos deveriam restringir suas áreas de atuação em vez de expandi-las. Vários projetos legalizadores da jogatina tramitam no Congresso, sempre bafejados pela sede arrecadatória do governo. Com outro braço, tentando mostrar eficiência, Brasília cria programas grandiloquentes.

É sabido que a segurança pública tornou-se um item prioritário na agenda dos brasileiros. Afora os males individuais provocados pelo jogo, ele serve para lavar dinheiro do tráfico de drogas e da corrupção. Com o jogo que já existe, está documentada sua conexão com o crime organizado.

MAIS SONHOS – Jair Bolsonaro sonhava com Sheldon Adelson, o magnata dos cassinos americanos e asiáticos. Pensavam, com o apoio do prefeito Marcelo Crivella, em criar resorts hoteleiros com cassinos no Rio e em cidades turísticas.

O próprio ex-capitão deu uma pista reveladora de seu objetivo quando prometeu “um projeto” capaz de gerar uma “caixa maior do que a reforma previdenciária em dez anos”. Eram os cassinos de Adelson.


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