Por Idiana Tomazelli | Folhapress
Para alcançar o déficit zero prometido pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai enviar a proposta de Orçamento de 2024 com uma previsão de R$ 168 bilhões em receitas extras, a partir de medidas que ainda precisam da aprovação do Congresso Nacional ou implementação pelo Executivo.
O grau de incerteza que cerca essas fontes de arrecadação tem alimentado a pressão dentro do próprio governo para rediscutir a meta fiscal até o fim deste ano, como mostrou a Folha de S.Paulo. O Ministério da Fazenda vê o movimento como "fogo amigo".A pasta avalia que o reequilíbrio das contas é fundamental para estabilizar a trajetória da dívida pública. Por isso, a meta de zerar o déficit não é um "cavalo de batalha", diz um integrante da equipe econômica, mas sim um alvo a ser perseguido e com o qual se busca convencer o Legislativo da necessidade de aprovar as medidas.
As iniciativas para elevar a arrecadação estão divididas em três pilares.
O primeiro é o de recomposição da base fiscal e correção de distorções, com duas ações. Uma é o projeto de lei que muda as regras de julgamentos de conflitos tributários no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). A expectativa do governo é arrecadar R$ 54,7 bilhões, valor que estará na proposta de Orçamento de 2024.
Segundo a fonte do governo, trata-se de uma estimativa "conservadora", que ainda não considera todo o potencial de arrecadação diante de um estoque de R$ 1,1 trilhão em disputas no tribunal administrativo.
Por outro lado, o valor desconsidera os jabutis inseridos no texto (que poderiam reduzir o poder de fogo das medidas) porque há uma chance elevada de eles serem vetados pelo presidente a pedido da Fazenda.
A outra ação é a MP (medida provisória) que vai regulamentar a decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) sobre a tributação de benefícios fiscais do ICMS.
A equipe econômica espera arrecadar R$ 37,3 bilhões, o que inclui apenas o fluxo futuro de receitas, sem contabilizar a solução para o estoque do que não foi pago devidamente pelas companhias em anos anteriores.
O entendimento do governo é que, ao ampliar o lucro das empresas, os incentivos concedidos no âmbito do ICMS não relacionados diretamente a investimentos devem ser incluídos na base de cálculo de IRPJ e CSLL, tributos federais.
A decisão do STJ deu vitória ao governo, mas prevê que a Receita Federal fará a cobrança depois das declarações das empresas, mediante fiscalização, o que poderia dificultar a recuperação desses valores.
A MP vai prever que haja um processo para as empresas justificarem os investimentos ao Fisco, e então a Receita conceda um crédito financeiro equivalente a 25% do valor, a ser usado no abatimento dos tributos federais. Assim, não será necessário esperar a fiscalização.
O segundo pilar trata de isonomia tributária e enfrentamento a abusos. Nesse grupo de medidas estão a MP para taxar fundos exclusivos de investimento no Brasil e o projeto de lei, com urgência constitucional, para tributar os fundos e recursos offshore (mantidos em paraísos fiscais fora do país).
Os dois atos foram editados por Lula na segunda-feira (28). A expectativa é arrecadar R$ 13,28 bilhões com fundos exclusivos e R$ 7,05 bilhões com offshores no ano que vem.
O governo, porém, admite que o valor final das receitas com fundos exclusivos pode ficar menor em meio às negociações com o Congresso.
Os rendimentos acumulados nos fundos dos "super-ricos" são hoje tributados apenas no resgate dos recursos ou na liquidação do investimento. A MP institui o chamado "come-cotas", recolhimento semestral de 15% a 20% de Imposto de Renda sobre os ganhos, mas o governo quer também cobrar sobre o estoque acumulado até aqui.
O texto prevê uma alíquota reduzida de 10% para quem aderir ao pagamento imediato sobre o estoque, já a partir de dezembro de 2023, mas os parlamentares querem reduzir a cobrança a 6%. Segundo o integrante da equipe econômica ouvido pela reportagem, a Fazenda está disposta a negociar um patamar de 7% ou 8%, caso isso signifique maior adesão à modalidade.
Uma terceira medida do eixo de isonomia tributária é o fim do JCP (Juros sobre Capital Próprio), uma forma alternativa de uma empresa remunerar seus acionistas recolhendo menos tributos. A avaliação do governo é de que o uso do mecanismo foi desvirtuado, o que justifica sua extinção.
O governo vai incluir no Orçamento uma previsão de receitas da ordem de R$ 10 bilhões com o fim do JCP. Um integrante da equipe econômica, porém, admite que essa fonte de arrecadação é uma das mais incertas dentro do pacote.
A avaliação do governo é que o debate sobre o JCP está menos maduro do que a taxação dos fundos exclusivos ou offshore, por exemplo.
Empresas têm ponderado sobre a necessidade de discutir mudanças no JCP em conjunto com as demais regras de tributação da renda das empresas —eixo que será alvo da segunda fase da Reforma Tributária, ainda a ser enviada ao Congresso. O governo tem se mostrado sensível a este argumento.
Por isso, o Executivo vai enviar um projeto de lei para tratar do tema da JCP, mas sem urgência constitucional.
Segundo a fonte do governo, o texto vai "justificar" a inclusão da estimativa de arrecadação na proposta de Orçamento de 2024, mas a expectativa é fazer uma discussão mais ampla ao longo dos próximos meses.
O terceiro eixo é uma demanda das próprias empresas e consiste no que o governo tem chamado de uma melhora no relacionamento com a administração tributária federal.
O governo vai colocar em prática novas modalidades de transação tributária —uma espécie de renegociação de dívidas de contribuintes sob condições mais atrativas, com possibilidade de descontos— ainda não exploradas pelo Executivo.
Uma delas será executada pela PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) e vai oferecer negociação para contribuintes resolverem disputas envolvendo grandes teses do Judiciário. O governo prevê arrecadar R$ 12 bilhões com essa iniciativa.
As teses incluem, por exemplo, os parcelamentos especiais e extraordinários feitos desde 2000 que geraram um contencioso enorme por causa da exclusão de contribuintes por não pagamento ou parcela inferior ao valor mínimo.
Como já há uma série de decisões favoráveis aos devedores, não se trata neste caso de livrá-los da cobrança, mas sim permitir seu retorno aos programas de renegociação mediante os benefícios. O objetivo da PGFN é fazer um edital da transação para solucionar esses e outros processos.
O governo também vai explorar o instrumento da transação tributária no âmbito da Receita Federal. A proposta de Orçamento vai incluir cerca de R$ 30 bilhões com essas negociações —segundo a equipe econômica, o valor equivale a apenas 2% do estoque de créditos ainda em fase de cobrança na Receita.
O Orçamento também prevê receitas com outras medidas, como a regulamentação de apostas esportivas. Uma MP e um projeto de lei já foram enviados ao Congresso Nacional.
O governo vai incluir na peça orçamentária uma estimativa de R$ 700 milhões, aquém do potencial indicado pelas empresas, de cerca de R$ 10 bilhões.
Outros R$ 3 bilhões são esperados com medidas menores, a serem detalhadas após a entrega do projeto de Orçamento nesta quinta-feira (31).
O governo também prevê o ingresso de cerca de R$ 20 bilhões com a nova regra de tributação de preços de transferência, mas o valor ainda não foi incluído no Orçamento.
Há também negociação com o Senado Federal para aprovar uma nova rodada de repatriação de recursos no exterior, o que pode gerar novas receitas, mas isso ainda é considerado incerto pelo governo.