Publicado em 31 de agosto de 2023 por Tribuna da Internet
Deu em O Globo
Pode ser até justificável criticar a remuneração dos ministros de Estado e de outras autoridades como insuficiente para honrar as responsabilidades e necessidades impostas pelos deveres do cargo. Mas é injustificável que o governo tente “complementar” essa remuneração por meio de artifícios que resultem em conflitos de interesses flagrantes.
Foi comum, por anos, indicar integrantes do gabinete a cadeiras no conselho de administração de empresas estatais. Ainda que o indicado mantivesse comportamento impecável, sempre era possível encontrar uma situação em que suas decisões no governo poderiam ter impacto no negócio das empresas.
PARECER HONESTO – É um caso em que, como diz o provérbio, não basta ser honesto, é também preciso parecer honesto. Por isso a Lei das Estatais, de 2016, vetou a prática. A proibição vigorou por seis anos, sem que nenhuma estatal tenha sido prejudicada por isso.
Infelizmente a indicação para o conselho de estatais voltou a ser possível em razão de liminar do então ministro do Supremo Ricardo Lewandowski, à espera de exame pelo plenário da Corte.
Não contente com as estatais, o governo acaba de fazer duas indicações ao conselho de uma empresa privada. Por meio das participações de BNDESPar (braço de investimentos do BNDES) e Previ (fundo de pensão do Banco do Brasil), entraram no conselho da metalúrgica Tupy o ministro da Previdência, Carlos Lupi, e a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.
ABRE-SE A PORTEIRA – Considerando apenas as fatias do BNDESPar em 27 companhias, abre-se amplo leque para encaixar ministros e outras autoridades em sinecuras com pouco trabalho e alta remuneração.
É verdade que o BNDES alterou em abril sua política para preencher cargos de conselho, de modo a dar mais espaço a técnicos do banco. Os critérios incluem “notório conhecimento e formação acadêmica compatíveis com o cargo” e não ser “dirigente estatutário de partido político”.
Lupi, presidente da Executiva Nacional do PDT, não satisfaz a nenhuma das exigências. Anielle, até onde se sabe, não tem familiaridade com o ramo metalúrgico. A remuneração de um ministro no conselho da Tupy alcança R$ 52.600 mensais, ante salário de R$ 41.651 no governo.
EM EMPRESA PRIVADA – Se já não era razoável haver ministros no conselho de estatais, é ainda menos aceitável em empresas privadas.
É evidente o conflito de interesses imposto pelo convívio com a intimidade de companhias que dependem de decisões do governo.
O caso, diz o ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Marcelo Trindade, “ultrapassa uma fronteira perigosa e abre a porteira para empresários elegerem ministros a conselhos privados”.
JULGAR LOGO… – A nomeação dos ministros ao conselho da Tupy é mais um motivo para o Supremo apressar o julgamento da liminar que suspendeu dispositivos da Lei das Estatais. O debate sobre aspectos jurídicos (e éticos) da questão é urgente, na defesa dos interesses tanto de contribuintes quanto de acionistas.
Como princípio, deveria valer para ministros a mesma regra imposta a todas as autoridades pelo Código de Conduta da Alta Administração Federal:
“A autoridade pública não poderá receber salário ou qualquer outra remuneração de fonte privada em desacordo com a lei, nem receber transporte, hospedagem ou quaisquer favores de particulares de forma a permitir situação que possa gerar dúvida sobre a sua probidade ou honorabilidade”.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Coitado do Leonel Brizola! O líder trabalhista jamais poderia imaginar o erro que cometeu ao prestigiar Carlos Lupi no PDT. Realmente, o partido merecia estar em boas mãos. (C.N.)