Carlos Pereira
Estadão
No livro The Blame Game (O Jogo da Culpa), Christopher Hood argumenta que é comum, especialmente no mundo político, pessoas terem dificuldade de lidar com derrotas e preferirem responsabilizar fatores externos e/ou outros atores pelos seus erros. Uma espécie de eterna tentativa de “reinventar a história” para se livrar da culpa.
O presidente Lula acaba de declarar que “a Justiça Federal em Brasília absolveu a companheira Dilma da acusação de que ela tinha feito pedalada”. Argumentou, inclusive, que “é preciso ver como é que se repara uma coisa que foi julgada por uma coisa que não aconteceu”. Para Lula, a decisão da Justiça “é a prova de que houve um golpe no Brasil em 2016″.
NA MESMA TOADA – A presidente do PT, deputada Gleisi Hofmann, foi na mesma toada ao afirmar que a decisão da 10ª turma da Justiça Federal da primeira região (TRF-1) “deixa claro que o impeachment foi uma grande farsa”. Disse ainda que o partido “vai articular no Congresso um projeto de resolução para a devolução simbólica do mandato presidencial a ex-presidente Dilma”.
Apesar de Lula e o PT terem imediatamente proclamado a inocência da ex-presidente, a decisão do TRF-1, na realidade, não absolve Dilma seja do ponto de vista jurídico ou político.
O Ministério Público Federal (MPF) havia solicitado uma ação civil por improbidade administrativa contra a ex-presidente. O TRF-1 negou o pedido, mantendo a decisão anterior de arquivamento da ação do MPF, ao argumentar que o fato de a ex-presidente não ocupar mais o cargo, fica impedida a abertura da ação.
TECNICALIDADE… – De acordo com a nova lei da improbidade administrativa de 2021, a clara intenção do agente público tem que ser comprovada, esvaziando assim a acusação para aqueles que cometem o crime, mas não mais se encontram no exercício da função.
O TRF-1 lembra, na mesma decisão de arquivamento desta ação, que atos ímprobos de um presidente da República devem ser interpretados como crime de responsabilidade e, portanto, enquadrado em outra lei, a de número 1079 de 1950; ou seja, a lei do impeachment.
A decisão do TRF-1, portanto, não analisou o mérito, mas decidiu que a ação de improbidade não era adequada e que o regramento jurídico aplicável nesses casos seria justamente a lei do impeachment, exatamente como o ocorrido no julgamento político da ex-presidente no Senado.
DECISÃO INQUESTIONÁVEL – Desta forma, a legitimidade política e jurídica da decisão soberana do Senado Federal de abreviar o segundo mandato da ex-presidente por meio do impeachment em função de crimes fiscais e orçamentários, como declarado por José Múcio Monteiro, então relator do processo no Tribunal de Contas da União e hoje ministro da Defesa de Lula, não foi e nem poderia ser questionada pelo TRF-1.
Embora o impeachment tenha uma natureza híbrida, ou seja, também exija um embasamento jurídico que dê enquadramento a um crime de responsabilidade, esse é um processo institucional fundamentalmente político, caracterizado, em última instância, pela perda da maioria legislativa do chefe do Executivo e não de uma decisão judicial.
Lula e o PT, ao invés de reconhecerem seus erros, procuram desencadear um movimento político baseado na suposta alegação de que a ex-presidente é proba e que o impeachment foi “uma injustiça contra uma mulher honesta e digna”, como alega sua defesa.
FALSA VERSÃO DO PT – Afinal de contas, para o presidente Lula e o PT o passado pode estar sempre mudando… só o futuro é certo.
Mas o que vai ficar para a História é que o PT e Dilma foram politicamente incompetentes para impedir seu impeachment em um contexto de “tempestade perfeita”, caracterizado por uma crise econômica sem precedentes, pelo o maior escândalo de corrupção da história, por grandes mobilizações e protestos de rua e, finalmente, pela quebra por má gerência de suas coalizões.
Dilma e Lula jamais foram “inocentados”.