A sexta-feira passada (25) foi marco de uma vitória para o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que, aliás, não foi comemorada publicamente em lugar algum. Naquele dia, discretamente, cumprindo uma ordem sigilosa dentro de um processo judicial sigiloso, dois policiais federais de Alagoas desembarcaram em Brasília trazendo a tiracolo uma carga preciosa: 40 quilos de documentos e cerca de 5 terabytes de informação com todos os autos da Operação Hefesto, pela qual a PF investigava um suposto esquema em torno da aquisição de kits de robótica com recursos do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Absolutamente tudo o que foi produzido pela PF ao longo da investigação – de relatórios a vídeos, de gravações telefônicas a anotações apreendidas sobre pagamentos de R$ 265 mil em benefício de um certo “Arthur” – foi entregue pelos policiais no prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) aos cuidados do ministro Gilmar Mendes. Neste momento, nada mais está sendo investigado sobre Lira em Alagoas ou em Brasília. O caso paralisado se refere a diversos aliados de Lira, como Luciano Ferreira Cavalcante, então assessor da liderança do PP na Câmara.
Mendes primeiro havia determinado, no dia 6 de julho, a suspensão do inquérito, ao acolher um pedido dos advogados de Lira. A Procuradoria-Geral da República (PGR) concordou, em manifestação assinada pelo braço-direito de Augusto Aras, a subprocuradora-geral Lindôra Araújo. O inquérito já estava paralisado mais de um mês quando, no último dia 17, Mendes ordenou a remessa para o STF “de todos os materiais e elementos coletados nas diversas medidas cautelares, pendentes ou não de análise, encartadas ou não nos autos”.
A ordem inclui o material coletado pela PF no dia 1o de junho, quando a Operação Hefesto foi desencadeada pela PF com apoio da Controladoria-Geral da União (CGU) e autorização da Justiça Federal em Alagoas em cinco unidades da Federação. “Dada a urgência do caso”, escreveu o ministro, “atribuo a esta decisão força de mandado/ofício”. Assim, Lira obteve a apreensão da apreensão.
Mendes usou palavras fortes em tom acusatório para se referir à investigação da PF. “Escandaloso”, “tentativa de usurpação da competência”, “tentativa nada ortodoxa de investigação”, investigações que “afrontaram regras constitucionais de prerrogativa de foro”, “ao arrepio das formalidades constitucionais”, “causa perplexidade”. No ponto principal da sua decisão, Mendes considerou que a PF, ao instaurar o inquérito em 2020, tinha como “hipótese investigativa aventada”, segundo ele, “claramente” uma que “apontava para a participação” de Lira “em suposta malversação de verba pública”.
O ministro escreveu que é possível chegar a essa conclusão a partir de “um rápido lançar de olhos sobre os documentos que instruíram a portaria de deflagração do inquérito policial”. Na “introdução do caderno investigatório”, disse o ministro, constavam “três reportagens do periódico ‘Folha de São Paulo’, noticiando que o governo federal destinou R$ 26 milhões de recursos do MEC (Ministério da Educação) para a compra de kits de robótica para escolas de pequenas cidades do interior de Alagoas”. Tais reportagens, continuou o ministro, “em diversas passagens afirmam que os proprietários da empresa responsável pelo fornecimento dos equipamentos são aliados políticos do reclamante [Lira] e que o parlamentar teria atuado para ‘acelerar’ a liberação dos recursos públicos federais”.
Para Mendes, ocorreu uma “usurpação de competência” do Supremo. De acordo com a Constituição (art. 102), compete ao STF “processar e julgar, originariamente”, os casos relacionados a determinados detentores de foro especial por prerrogativa de função, o chamado foro privilegiado. A expressão é repudiada por Mendes. Ele escreveu, na decisão que o foro especial é uma “verdadeira prerrogativa funcional, concebida para que possam exercer as atribuições que lhe são cometidas com independência e livre de quaisquer pressões indevidas”.
Um fato não citado nas decisões de Mendes é que, no dia 25 de junho, a PF enviou ao STF os indícios, provas, suspeitas ou referências – dê-se o nome que quiser – localizadas ao longo da Hefesto sobre Arthur Lira para que a PGR e o STF exatamente analisassem se era o caso de abrir ou não um inquérito sobre o deputado federal. Isso foi noticiado nove dias antes da primeira decisão de Mendes, datada de 6 de julho, que falou em usurpação.
Naquele mesmo dia, Arthur Lira estava em Lisboa, Portugal, num seminário organizado pela escola de direito que pertence a Mendes, o IDP. Segundo a imprensa, o ministro do STF e o presidente da Câmara formaram a mesa de abertura do evento. |
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