Por Vera Magalhães (foto)
A diferença de 21 pontos percentuais de vantagem de Luiz Inácio Lula sobre Jair Bolsonaro, mostrada pelo Datafolha, incendiou os partidários do petista, apavorou os governistas e intrigou alguns analistas de pesquisas, mas fez com que todos esses atores passassem a analisar como mais provável a decisão da eleição presidencial no primeiro turno pela primeira vez desde 1998, com o ex-presidente como favorito.
Ainda que a diferença não seja tão dilatada quanto o dado obtido pela metodologia do instituto -- de entrevistas de campo, diferente da maioria dos levantamentos feitos com frequência maior e por telefone --, o dado para o qual todas as pesquisas convergem é aquele segundo a qual a preferência por Lula ou Bolsonaro, bem como a rejeição a um ou a outro, tende a alimentar, de agora em diante, um processo de “alckmização" dos adversários, que pode levar a que a decisão da disputa se antecipe.
Trata-se de uma referência ao que houve com Geraldo Alckmin, hoje vice na chapa de Lula, em 2018. Ele tinha boa estrutura de campanha, tempo de TV, dinheiro e, ainda assim, viu suas intenções de voto não decolarem, e depois desidratarem, diante de um eleitor que passou a enxergar Bolsonaro como a única opção para derrotar o PT -- naquele ano, a força motriz principal do eleitorado.
Analistas projetam que, diante do resultado do Datafolha mostrando a grande vantagem de Lula sobre Bolsonaro, será natural que aqueles que rejeitam o petista, mas estavam hesitando em aderir ao presidente, o façam como movimento de reação.
Isso poderia levar a uma recuperação de Bolsonaro em levantamentos subsequentes, o que, por sua vez, jogaria enorme pressão sobre eleitores de Ciro Gomes (PDT), principalmente, o único que tem uma quantidade de votos capaz de fazer mexer os ponteiros dos demais, para que votassem previamente em Lula como forma de evitar uma vitória do atual presidente.
Por isso, mesmo quem acredita que a diferença real entre Lula e Bolsonaro não seja de 21 pontos, mas algo mais próximo àquela mostrada pela rejeição de cada um, passa a considerar como mais provável um cenário de eleição em primeiro turno, antes considerado inviável.
Essa possibilidade deve intensificar alguns movimentos que podem ser prejudiciais a cada um dos candidatos. Do lado dos petistas, uma euforia exacerbada ou o clima de “já ganhou” pode fazer com que se descuide das declarações e dos sinais dados à sociedade a respeito de qual a plataforma que o petista vai adotar nas redes.
Também existe o risco de que não se intensifique a conversa com outras forças políticas para aprofundar um sentido de frente ampla para a candidatura que dê mais lastro à viabilidade de antecipar uma eventual vitória para o dia 2 de outubro.
Do lado de Bolsonaro o efeito mais provável é a exacerbação de um desespero que já tem levado a que ele adote gestos tresloucados tanto de retórica golpista quanto de medidas de governo com alto potencial lesivo às instituições e aos cofres públicos.
Portanto, o dano possível de ser causado pelo presidente é mais grave e talvez ajude a explicar, juntamente com a economia que patina e a inflação que galopa, por que Bolsonaro parece caminhar para o teto de suas intenções de voto, que é coincidente com o da avaliação de seu governo.
Conforme fique claro que não passam de bravatas sua suposta intenção de resolver a escalada dos preços de combustíveis e tarifas, e que outros aumentos de preços se façam sentir no bolso das famílias, como o escorchante reajuste dos planos de saúde individuais e familiares, a tendência é o presidente ampliar seu desgaste e, por conseguinte, seu desespero convertido em retórica explosiva.
A surra que o Datafolha detecta entre os mais pobres, no Nordeste, entre as mulheres e os jovens mostra que essa combinação de economia que derrete e ameaças a direitos e à democracia leva a que a rejeição torne Bolsonaro paulatinamente pouco viável eleitoralmente — ainda que o antipetismo ainda considerável faça dela, no que parece algo contraditório, mas não é, o depositário de uma parcela grande de votos. Raciocínio, portanto, de um eleitor que, de lado a lado, está antecipando o segundo turno para o primeiro.
O Globo