Toda essa incerteza foi causada pela iniciativa do próprio governo de driblar o teto de gastos para turbinar o Bolsa Família e outros gastos neste ano eleitoral
Por Alex Ribeiro (foto)
Os dados fiscais divulgados na reta final de 2021 foram melhores do que o esperado, levando alguns analistas econômicos a fazer a pergunta: houve exagero do mercado financeiro em temer um desastre das contas públicas?
Quem olha as estatísticas mais recentes acha que sim. A União, Estados e municípios e respectivas estatais registraram em novembro um superávit primário de 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB) pela primeira vez em sete anos, no resultado acumulado em 12 meses. É insuficiente para conter o aumento da dívida pública, mas agora o governo não está mais tomando dinheiro emprestado para bancar gastos primários. O ajuste é considerável: em 2020, o país havia registrado um déficit de 9,41% do PIB.
Praticamente ninguém acreditava que, em tão pouco tempo, o resultado primário fosse virar para o lado positivo. Em fins de 2020, a aposta era que o Brasil fosse ter um déficit primário de 3% do PIB em 2021, segundo a pesquisa de expectativas de mercado Focus do Banco Central. Dá para contar uma história positiva também do ponto de vista da dívida bruta do governo geral. Em novembro, o indicador caiu impressionante 1,2 ponto percentual do PIB, de 82,3% do PIB para 81,1% do PIB.
A partir de fins de julho, o país passou a viver uma crise fiscal, que fez o dólar disparar, alimentando ainda mais a inflação, que já vinha em tendência de alta. Os juros futuros também subiram bastante, obrigando o Tesouro a reorientar os seus planos para a rolagem da dívida bruta.
Toda essa incerteza foi causada pela iniciativa do próprio governo de driblar o teto de gastos para turbinar o Bolsa Família e outros gastos neste ano eleitoral. Mas chama a atenção como, em meio a todas as turbulências, os dados foram se saindo melhores, mês a mês. Em julho, o déficit primário acumulado em 12 meses ficou em 2,85% do PIB, e o mercado achava que iria fechar o ano em 2% do PIB. Agora, os analistas econômicos estão esperando um superávit entre 0,4% e 0,5% do PIB. Toda essa melhora não impediu, porém, as turbulências do mercado.
Houve terrorismo fiscal? O pessimismo fiscal não afetou apenas os economistas do mercado, mas também o BC. Desde a pandemia, o Comitê de Política Monetária (Copom) já vinha destacando que o risco fiscal era muito grande e poderia fazer a inflação superar o previsto. Em novembro, no auge das turbulências causadas pelas discussões fiscais no Congresso, o comitê deu um peso ainda maior para o risco de as contas públicas saírem dos trilhos - como resposta, apertou mais os juros.
No mercado, os especialistas reconhecem as surpresas positivas nos resultados fiscais correntes, mas não deixam de estar preocupados com o futuro. “Consideramos que o resultado primário é muito positivo, o primeiro superávit depois de sete anos de déficit”, disse em nota a clientes o Banco Santander, cujo departamento econômico é chefiado pela ex-secretária-executiva da Fazenda Ana Paula Vescovi. “No entanto, continuamos a estimar os resultados para os próximos anos com cautela, sobretudo em razão do aumento do resultado nominal e o possível efeito do processo de desinflação nas receitas.”
A XP fez uma leitura semelhante, reconhecendo o resultado melhor, mas apontando o cenário difícil daqui por diante. “Os resultados mantiveram a tendência positiva observada ao longo do ano”, diz a instituição, que tem como economista-chefe o ex-secretário de Indústria e Comércio do Ministério da Fazenda Caio Megale. “Esperamos uma deterioração fiscal em 2022, e que a atividade econômica perca fôlego e as despesas aumentem.”
Um dos pontos que vem preocupando os analistas econômicos mais recentemente é o forte aumento da despesa com os juros da dívida pública, com a elevação dos juros básicos pelo BC para combater as pressões inflacionárias. A taxa mensal de juros na dívida bruta chegou a 0,8% em novembro, o que equivale a 10% ao ano. Em junho, essa taxa estava em 0,5% por mês, ou 6,2% ao ano. A tendência é de aumento - o mercado espera que a taxa Selic chegue a 11,75% ao ano. As despesas com juros estão em expansão. De junho para cá, subiram de 3,51% do PIB para 4,86% do PIB. Mas ainda estão longe de refletir integralmente o aperto monetário. Para este ano, o Focus indica uma projeção de gasto de 6,3% do PIB com juros.
O resultado primário também deverá ter uma deterioração em 2022, em virtude do drible feito pelo governo no teto de gastos, da maior despesa prevista para Estados e municípios e da arrecadação menos forte, com a esperada perda de vigor da atividade econômica. Hoje, o consenso do mercado é de um déficit primário de cerca de 1% do PIB, segundo o Focus.
Não é, porém, só a evolução mais imediata dos indicadores fiscais que preocupa os economistas do mercado. O governo a ser eleito neste ano deverá enfrentar uma bomba fiscal quando assumir o mandado, em 2023.
Boa parte do ajuste do ano passado foi feito com a inflação, que corroeu despesas. Agora, ganham força as pressões para reajustar os salários do funcionalismo. Se não ocorrer em 2022, os candidatos devem prometer reajustes para 2023. Com a queda da inflação esperada para este ano, a margem do governo para acomodar mais despesas dentro do teto de gastos também é menos generosa.
A esse cenário mais adverso, soma-se a destruição das instituições fiscais no governo Bolsonaro. E não apenas o teto de gastos públicos, que os analistas dão como certo que deverá ser substituído por outro mecanismo. O calote nos precatórios cria uma dívida paralela crescente fora da contabilidade da dívida bruta.
OBanco Central recolheu R$ 10,1 bilhões do mercado em novembro sob a forma de depósitos voluntários remunerados, os primeiros grandes volumes já contratados. A forma como o excesso de dinheiro na economia foi recolhido faz diferença nas estatísticas fiscais. Se tivesse usado as operações compromissadas, a dívida bruta de novembro teria sido 0,1 ponto do PIB maior.
Valor Econômico