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sexta-feira, janeiro 07, 2022

Cazaquistão: a nova frente de combate de Wladimir Putin.

 




Para o Kremlin, esta crise veio na pior das alturas, quando a Rússia se prepara para conversações com os Estados Unidos e a NATO sobre a situação na Ucrânia e a segurança europeia. 

Por José Milhazes 

As manifestações e distúrbios no Cazaquistão começaram com reivindicações económicas, principalmente contra o aumento brusco do gás condensado, mas rapidamente surgiram reivindicações políticas. Mais uma dor de cabeça não só para os dirigentes cazaques, mas também para Moscovo, Pequim e Ancara.

Raramente o Cazaquistão é motivo de notícias, o que não significa que o país, embora rico em matérias-primas e com uma população pouco numerosa, enfrente graves problemas económicos e sociais. Estes vão-se acumulando como um barril de pólvora que só espera que se acenda o rastilho para explodir.

Desta vez, o rastilho foi aceso pelo aumento brusco (100%) do gás condensado nas regiões ocidentais do país, onde esse combustível é extraído. O gás é utilizado não só para cozinhar e aquecer as casas, mas também para abastecer automóveis, sendo o seu preço mais baixo do que o petróleo. O aumento do preço tornou ainda mais difícil a vida dos habitantes de um país com rendimentos miseráveis.

Kassym Tokayev, actual Presidente do Cazaquistão, demorou a reagir à indignação dos cidadãos e, quando prometeu fazer baixar o preço do gás, os manifestantes passaram a exigir a demissão do governo e a retirada da vida política de Nussultan Nazarvayev (Velho, vai-te embora! – gritam os descontentes), antigo presidente cazaque que, na realidade, governava o país no cargo de dirigente do Conselho de Segurança Nacional e através de familiares e membros da sua clã, que ocupam importantes cargos nas estruturas do poder.

Pelo menos numa cidade cazaque os manifestantes derrubaram a estátua de Nazarvayev e o actual dirigente cazaque demitiu o seu antecessor desse importante cargo e, segundo a imprensa local, Nazarvayev deverá sair do país “para tratar da saúde”.

Todavia, as manifestações e distúrbios não terminaram, mas alargaram-se a praticamente todas as regiões cazaques, agravando-se seriamente na cidade de Alma-Ata, antiga capital do país.

Esta situação preocupa seriamente o Presidente russo, Vladimir Putin, pois o Cazaquistão é o maior país da Ásia Central e fulcral para a calma nessa região que o Kremlin considera ser sua zona de influência.

Por enquanto, Moscovo declara que se trata de um problema interno do Cazaquistão, mas, se os dirigentes deste país não souberem travar a onda de revolta, Putin não irá ficar de braços cruzados. A preparação propagandística de uma possível intervenção russa já começou. “Analistas políticos” russos afirmam que os distúrbios são provocados a partir de fora com vista a provocar mais uma “revolução colorida” como na Geórgia ou na Ucrânia. Por outro lado, o próprio Kassym Tokayev já veio apoiar essa tese e apressou-se a lançar um apelo à intervenção dos países membros da Organização do Tratado de Segurança Colectiva, considerando-a “apropriada e oportuna para superar a ameaça terrorista”.

A OTSC, que reúne a Rússia, Arménia, Bielorrússia, Cazaquistão, Tadjiquistão e Quirguízia, é uma espécie de NATO e o citado tratado prevê “ajuda militar” dos outros membros caso os dirigentes cazaques peçam.

Vladimir Putin espera que os dirigentes cazaques sejam capazes de esmagar as manifestações de protesto tal como fez o ditador Alexandre Lukachenko na Bielorrússia, mesmo que para isso tenham de provocar um banho de sangue. Mas o apelo lançado por Tokayev é um sinal de que está com dificuldades para controlar a situação e tenta dissuadir os descontentes com uma ameaça de intervenção de tropas do OTSC.

Kassym Tokayev tem a vida facilitada pelo facto de as manifestações e distúrbios não terem um centro de organização. A oposição cazaque encontra-se na mesma situação que a russa ou bielorrussa: na prisão ou no exílio.

Além disso, embora no Cazaquistão o Islão seja a religião dominante, estamos a falar de um dos países mais laicos entre todos os Estados islâmicos.

Porém, Tokayev não tem revelado grandes qualidades na gestão desta perigosa crise. Se ele continuar a “esconder o lixo debaixo do tapete”, ou seja, desprezar os protestos da sociedade e realizar reformas sérias para melhorar a vida das populações, pode esmagar esta onda com um banho de sangue, mas outras ondas se seguirão.

Pequim e Ancara também seguem os acontecimentos com atenção. O Cazaquistão faz fronteira com a região autónoma de Xinjiang, cuja população é muçulmana, muito próxima dos cazaques, e alvo de fortes repressões por parte da ditadura comunista chinesa. As manifestações no país são um mau exemplo para os uigures.

No que respeita à Turquia, esta é uma das zonas de influência pretendidas pelo Presidente Erdogan, pois o Cazaquistão é um país turcomano.

Para o Kremlin, esta crise veio na pior das alturas, quando a Rússia se prepara para conversações com os Estados Unidos e a NATO sobre a situação na Ucrânia e a segurança europeia. No fundo, trata-se da abertura de uma segunda frente de confronto nas costas do dirigente russo e resta saber que Putin tem meios e inteligência para gerir estas duas graves situações. Moscovo terá de resolver rapidamente este problema na Ásia Central, pois, caso contrário, poderá ver-se enfraquecido na luta para alcançar os objectivos apontados no ultimato apresentado aos Estados Unidos, Aliança Atlântica e União Europeia.

Observador (PT)

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