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terça-feira, dezembro 28, 2021

Como o Ocidente perdeu a Rússia




Por Demétrio Magnoli (foto)

Trinta anos atrás, em 25 de dezembro de 1991, Mikhail Gorbachev renunciou à Presidência da URSS e, no dia seguinte, o Estado Soviético cessou de existir. A Rússia renasceu, fora do envelope comunista, querendo ser Europa. Contudo, na década seguinte, o Ocidente perdeu a Rússia. Vladimir Putin, ou seja, a reversão russa a uma autocracia belicista, é o fruto do maior erro cometido pelos EUA e pela União Europeia no pós-Guerra Fria.

O erro estratégico derivou de algo que o Ocidente não fez, nos domínios da economia, e de algo que fez, nos domínios da geopolítica. Em síntese: a ausência de um “Plano Marshall para a Rússia” e a expansão da Otan.

Casa Comum Europeia — a expressão, de Gorbachev, cartografava um rumo histórico para a URSS. Depois da implosão, a Rússia continuou sonhando ser Europa. Sob a Presidência de Boris Yeltsin, na primeira metade da década de 1990, Yegor Gaidar conduziu a controversa “terapia de choque” que transformou a arruinada economia estatal numa precária economia de mercado.

Gaidar apostava suas fichas numa ajuda financeira maciça do Ocidente, que nunca chegou. Suas reformas econômicas salvaram a Rússia de uma iminente crise de fome, mas dois elementos cruciais dependiam de financiamento externo: a estabilização monetária e a construção de uma rede de proteção social. Na falta deles, os reformistas sofreram derrotas fatais nas eleições legislativas do final de 1993 e de 1995, o que encerrou o ciclo liberalizante.

Lá atrás, em 1948, graças à visão de figuras como Dean Acheson e John McCloy, os EUA haviam resgatado a Alemanha Ocidental por meio do Plano Marshall, estabelecendo as fundações da atual União Europeia. Mas, sob George H. Bush e Bill Clinton, viraram as costas à Rússia derrotada e perderam a oportunidade única de concluir a obra do Pós-Guerra. O economista americano Jeffrey Sachs, que atuou como conselheiro de Gaidar, qualificou isso como “traição”.

O PIB russo retrocedeu mais de 40% entre 1989 e 1996, uma hecatombe típica de guerras devastadoras. Enquanto isso, os EUA e seus aliados europeus preparavam a triunfante expansão da Otan que, entre 1999 e 2020, produziria a incorporação de 14 países do antigo bloco soviético e da ex-URSS à aliança militar ocidental.

“Traição”? Segundo a versão semioficial russa, Bush e o chanceler alemão Helmut Kohl teriam convencido Gorbachev, no início de 1990, a aceitar a reunificação alemã em troca da promessa verbal de não avançar as fronteiras da Otan rumo ao Leste. Contudo, após a Guerra da Bósnia (1992-95), Clinton decidiu-se pela expansão e dobrou a resistência do enfraquecido Yeltsin. A marcha iniciou-se pela assinatura, em 1997, do Ato de Cooperação Otan-Rússia, que propiciou a entrada da Polônia, Hungria e República Tcheca na aliança militar.

Os Estados Bálticos, ex-repúblicas soviéticas, ingressaram em 2004. Anos antes, um vago acordo de cooperação com a Otan convertera a Ucrânia em candidata ao ingresso. A Geórgia, antiga república soviética situada na sensível faixa do Cáucaso, aprofundou suas relações com a aliança ocidental em 2003 e tornou-se candidata oficial em abril de 2008.

A renúncia de Yeltsin, no final de 1999, e a irresistível ascensão de Putin assinalaram o encerramento de um parêntese e a conclusão do erro estratégico ocidental. O novo líder russo definiu a implosão da URSS como “a maior catástrofe geopolítica do século XX”, não pela queda do regime comunista, mas pela desintegração da “Grande Rússia”. O tema da segurança, a razão geopolítica e a hostilidade ao Ocidente fixaram-se como norte da política externa de Moscou.

Tropas russas moveram-se para enclaves separatistas na Geórgia em agosto de 2008. A invasão russa da Crimeia, em 2014, marcou a primeira alteração de fronteiras pela força militar na Europa desde 1945. A atual crise ucraniana gira ao redor do tema da expansão da Otan. Em 2015, a Rússia conduziu com sucesso sua intervenção na guerra síria, tornando-se o principal ator externo na região do Levante. Moscou consolidou seu tratado de parceria estratégica com Pequim em 2021.

Os EUA perderam a Guerra Fria, depois de vencê-la.

O Globo

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