No caso Prevent Senior, é preciso apurar responsabilidades e proteger clientes
Com mais de 500 mil clientes, dez hospitais e 3.000 médicos, a Prevent Senior cresceu vendendo planos de saúde de baixo custo a idosos e há poucos meses chegou a ser exibida como exemplo pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), num painel de boas práticas no enfrentamento da pandemia.
A crise atravessada pela empresa desde que se tornou alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado que investiga as ações do governo na crise sanitária ameaça interromper essa trajetória.
Há uma série de graves acusações a serem esclarecidas —e, se confirmadas, cumpre apurar em que escala se davam tais episódios.
Segundo depoimentos de médicos e familiares, pessoas infectadas pelo coronavírus foram tratadas com hidroxicloroquina e outros medicamentos sem que o tratamento tivesse seu consentimento.
Profissionais que prestam serviços à operadora afirmaram ter sido pressionados a receitar os remédios duvidosos e que foram orientados a apagar registros que associassem pacientes à Covid-19 em casos de internação prolongada.
Relatos de médicos e pessoas que sobreviveram à infecção sugerem que tratamentos paliativos, indicados para situações irreversíveis, eram aplicados a doentes com chances de recuperação para reduzir custos e desocupar leitos.
São consideráveis, ademais, os indícios que associam as ações da Prevent Senior à estratégia negacionista adotada por Jair Bolsonaro e seus curandeiros no início da pandemia, com o fim de sabotar as iniciativas que buscavam conter a propagação do coronavírus.
O presidente fez estardalhaço com estudos realizados por médicos da operadora que deram corda à propaganda da cloroquina. Somente agora a empresa veio a público reconhecer que os resultados não tinham validade científica.
Órgão responsável pela fiscalização dos planos de saúde, a ANS autuou a empresa na terça-feira (27), após reunir evidências que contrariam as primeiras explicações oferecidas pela operadora.
A agência instaurou dois procedimentos administrativos para investigar a operadora. Se não forem corrigidas as falhas detectadas, eles podem abrir caminho para uma intervenção, com a nomeação de um diretor técnico para vigiar de perto seu gerenciamento.
São passos iniciais de um processo que tende a ser arrastado, mas são um avanço se comparados com a leniência com que a Prevent Senior foi tratada no passado.
O mais importante agora é proteger os beneficiários dos planos, aperfeiçoar o modelo que permitiu sua expansão e apurar responsabilidades —tarefa que caberá ao Ministério Público e aos conselhos que regulam a profissão médica.
Folha de São Paulo