Publicado em 2 de outubro de 2021 por Tribuna da Internet
Renata Galf
Folha
A moderação feita por plataformas de redes sociais é criticada tanto pelo conteúdo como pela forma. No primeiro caso, há críticas sobre o que é mantido no ar e sobre remoções abusivas. No segundo caso, são frequentes relatos de retiradas sem notificação ao usuário ou então com justificativas genéricas.
Na última semana, o presidente Jair Bolsonaro enviou ao Congresso um projeto de lei, o PL 3.227, que se aprovado limitaria e engessaria a moderação de conteúdo realizada pelas plataformas com mais de 10 milhões de usuários.
LEI DAS FAKE NEWS – O debate sobre o tema já vem sendo travado no âmbito do projeto de lei das fake news, o PL 2.630, que foi aprovado em junho do ano passado no Senado e, no momento, está em discussão na Câmara.
Em relação aos procedimentos de moderação, ambas as propostas dão passos à frente, ao prever obrigações às plataformas, que, nas moderações, teriam que notificar usuários e permitir a possibilidade de recurso às suas decisões, por exemplo. Este ponto é de maior consenso entre especialistas.
Já quanto à análise feita pelas empresas sobre o mérito do conteúdo, os caminhos dos projetos são bastante diferentes — e o tema também gera maior divergência entre quem estuda o assunto.
TIPOS DE REGULAÇÃO – Em linhas gerais, seria possível seguir três tipos de regulação: permitir que as plataformas moderem, proibir a moderação ou obrigar que retirem certos conteúdos.
A proposta de Bolsonaro é uma mistura do primeiro com o segundo caminho. Ele permite a moderação de alguns temas, previstos em uma lista, mas impede a remoção de tudo que está fora dela. Tal lista inclui, por exemplo, nudez e apologia implícita do consumo de drogas, mas não racismo e homofobia.
Com essa proibição, postagens com discurso de ódio, spam ou desinformação só poderiam ser retiradas pelas plataformas após decisão judicial.
PROPOSTA INVIÁVEL – Para além dos custos envolvidos, diante do volume de postagens criminosas ou inadequadas postadas diariamente nas redes sociais, especialistas apontam que seria inviável depender apenas do Judiciário.
Já o PL 2.630 pode não criar um obstáculo ao combate à desinformação, mas também não oferece uma ferramenta para lidar com a inação das plataformas.
O caminho seguido pelo projeto, até o momento, foi o de permitir a moderação, sem trazer previsões relacionadas a conteúdo, seja no sentido de obrigar a retirada ou de impedir. O projeto vedou robôs não identificados e contas inautênticas.
TEXTO SUBSTITUTIVO – No momento, a proposta está em discussão em um grupo de trabalho na Câmara. O relator é o deputado Orlando Silva (PC do B-SP), que apresentará um texto substitutivo que deve trazer alterações em relação à proposta aprovada no Senado.
Além disso, a depender da decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o projeto apresentado por Bolsonaro pode ser apensado ao das fake news e ser avaliado em conjunto pelos deputados.
Em linhas gerais, hoje um usuário que seja alvo de racismo em uma plataforma, por exemplo, poderia denunciar a postagem diretamente para a empresa, pedindo a remoção. Caso ela decida não remover, o indivíduo precisaria recorrer ao Judiciário. No caso do PL 2.630 segundo o que foi aprovado pelo Senado, este cenário não mudaria. Já pelo projeto de Bolsonaro, a empresa não poderia remover esse conteúdo sem uma decisão judicial, a não ser que haja “prática, apoio, promoção ou incitação de atos de ameaça ou violência”.
SEM SOLUÇÃO – No caso, portanto, de a plataforma simplesmente não agir para remover conteúdos de discurso de ódio ou desinformativos, por exemplo, nenhum dos projetos traz soluções.
Ao longo da tramitação no Senado, o PL 2.630 chegou a trazer versões que previam a retirada de desinformação pelas plataformas ou de postagens que incidissem em uma lista de crimes.
Tais propostas, no entanto, foram abandonadas ao longo da tramitação, devido a possíveis danos colaterais à liberdade de expressão —um dos pontos espinhosos foi a dificuldade de definir o que seria desinformação.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Esses projetos têm grande alcance político e social. Não podem ser discutidos e votados com pressa, conforme Bolsonaro tentou, ao editar Medida Provisória, devolvida ao Planalto pelo presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco. Como dizia o Barão de Itararé, cautela e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém. (C.N.)