Publicado em 15 de maio de 2021 por Tribuna da Internet
Jussara Soares
O Globo
Ao autorizar que a Advocacia-Geral da União (AGU) pedisse o habeas corpus para que ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, fique em silêncio durante depoimento à CPI da Covid e não corra o risco de ser preso, o presidente Jair Bolsonaro atuou para manter o militar sob a tutela do Planalto. Ao proteger o ex-auxiliar, Bolsonaro também tenta se preservar de uma exposição maior.
O presidente concordou com a medida após uma reunião com Pazuello no domingo, no Palácio da Alvorada, quando recebeu o ex-auxiliar reservadamente antes de um passeio de moto por Brasília com apoiadores.
TEMOR DO PLANALTO – A decisão do presidente foi baseada no receio de que Pazuello, sem o HC, abrisse mão da defesa da AGU e, portanto, se distanciasse do governo. A avaliação era que, sem a tutela do Planalto, o general, para se proteger, pudesse expor Bolsonaro.
Um dia antes da reunião no Alvorada, o GLOBO mostrou que o militar também havia recusado um cargo na Secretaria-Geral da Presidência e avaliava ser representado pelo advogado Zoser Hardman, seu ex-assessor jurídico no Ministério da Saúde. A combinação dos fatos acendeu o alerta no governo.
Concedido nesta sexta-feira pelo ministro Ricardo Lewandowski, o HC, antes de ser apresentado ao STF, gerou divergência dentro do governo. Ministros eram contra a medida para blindar o militar com receio dos efeitos políticos.
ONYX E MENDONÇA – Entre os ministros que se posicionaram contra, estavam o advogado-geral da União, André Mendonça, e Onyx Lorenzoni. O chefe da Secretaria-Geral da Presidência, que tem ajudado a preparar Pazuello para encarar os senadores, argumentava que o ex-ministro não tinha nada a temer.
Há seis anos, durante a CPI da Petrobras, Onyx afirmou que “só bandido” se valia desse tipo de instrumento. Outros integrantes do governo, em conversa reservada com O GLOBO, também avaliaram que o HC poderia municiar a oposição na CPI sob o argumento que o governo estava negando transparência sobre as ações na pandemia.
Filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) também defenderam que Pazuello prestasse esclarecimentos. Em 2016, na CPI da Funai e do Incra, Eduardo disse que quem pede o habeas corpus para não falar é “covarde” e “não tem um pingo de vergonha na cara”.
SEM QUARENTENA – Os termos do HC começaram a ser definidos na conversa entre Bolsonaro e o ex-ministro no Alvorada. Pazuello adiou seu depoimento na CPI alegando precisar fazer quarentena após o contato com pessoas infectadas pela Covid-19, mas visitou o presidente mesmo assim. Antes, já tinha recebido Onyx no Hotel de Trânsito de Oficiais, onde mora. O depoimento está marcado para o dia 19, a próxima quarta-feira.
O advogado Zoser Hardman, que atua como conselheiro jurídico do ex-ministro, defendia que o habeas corpus fosse para que Pazuello não comparecesse à CPI. Na conversa com Bolsonaro, porém, Pazuello concordou de ir à CPI, mas pedindo o direito de ficar em silêncio com o argumento de não produz provas contra si mesmo. A defesa argumentou que as declarações do ex-ministro poderiam ser usadas contra ele não apenas no relatório da CPI, mas também no inquérito que apura a responsabilidade na crise na saúde pública de Manaus, que foi aberto no STF e remetido à primeira instância após Pazuello deixar o ministério e perder o foro privilegiado.
EXEMPLO DE WAJNGARTEN – A tese do HC também ganhou força após o depoimento do ex-secretário especial de Comunicação, Fabio Wajngarten, na quarta-feira — no qual o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), chegou a pedir a prisão do depoente.
A oitiva do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, também serviu como argumento, devido ao tom dos senadores, que defendem agora uma reconvocação.
Entre as declarações elencadas como causadoras de possíveis constrangimento a Pazuello, a AGU cita no pedido, por exemplo, fala feita pelo presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM), que disse que Queiroga mentiu e avisou que não teria a “mesma parcimônia em relação a outros depoentes que vamos ter aqui.” A AGU diz ainda que “justo receio de sofrer constrangimentos” pode ser corroborado pelo depoimento de Fabio Wajngarten, nesta quarta-feira.
OBJETIVO MAIOR – O pedido de HC também tinha o objetivo de impedir que o ex-ministro fosse obrigado a emitir opinião sobre o comportamento do presidente Bolsonaro, como a defesa dos remédios sem eficácia comprovada, a falta do uso da máscara e provocar aglomerações.
Em sua decisão, porém, Lewandowski pondera que questionamento sobre outras pessoas não estão ” não estão protegidas pelo direito de não produzir prova contra si” e, por isso, permanece obrigado a revelar o que sabe e “assumir o compromisso de dizer a verdade”. Pazuello prestará depoimento acompanhado de um advogado da União, que poderá interferir quando considerar que as perguntas não devem ser respondidas.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Em tradução simultânea, Pazuello não poderá ficar calado na perguntas sobre Bolsonaro. Estará sob juramento e, se mentir, poderá ser preso. Hipoteticamente, é claro, porque Queiroga e Wajngarten mentiram e saíram numa boa. Porém, devido ao habeas corpus, a expectativa agora é maior. (C.N.)