Bruno Boghossian
Folha
Dois médicos dizem que deixaram o cargo de ministro da Saúde porque discordavam de Jair Bolsonaro na defesa de medicamentos ineficazes contra a Covid-19. Outra médica, subordinada a eles, teve destino diferente. Alinhada à plataforma do presidente, ela sobreviveu à sucessiva dança das cadeiras e foi premiada com mais projeção na pasta.
A longevidade de Mayra Pinheiro tem explicação. A CPI da Covid mostrou que a secretária de Gestão e Trabalho foi uma peça-chave na orientação do uso abrangente de cloroquina. Além disso, ela já declarou que medidas de isolamento causaram “pânico na sociedade” e que a contaminação de crianças nas escolas teria um “efeito rebanho” positivo.
PROTOCOLO POLÍTICO – A CPI ouviu a funcionária de segundo escalão para mostrar que o governo adotou um protocolo político no Ministério da Saúde. Ela assistiu à saída de Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, mas ficou no cargo porque integra a máquina que trabalha para transformar convicções de Bolsonaro em diretrizes oficiais.
O depoimento ilustrou o funcionamento desse aparelho. Senadores perguntaram por que o governo ignorou recomendações contra o uso da cloroquina.
A secretária respondeu que o ministério “não precisa fazer suas orientações baseado em outras instituições”. Ela deixou claro, porém, que a pasta seguiu opiniões a favor do remédio —a favor, portanto, das preferências de Bolsonaro.
OBSESSÕES DO PRESIDENTE – O senador Alessandro Vieira (Cidadania) apontou que o ministério obedeceu às obsessões do presidente. “No começo, todo mundo testou cloroquina, porque todo mundo queria uma solução rápida, barata, que não paralisasse a economia”, disse.
Apesar da sintonia, Mayra foi na contramão de Bolsonaro em pontos como o uso de máscaras. Embora o presidente já tenha dito que a proteção não funciona, a secretária afirmou que ela pode reduzir a transmissão do vírus.
A máquina da Saúde, porém, ficou ao lado do presidente por mais de um ano. A pasta só lançou neste mês uma campanha oficial em defesa do equipamento.
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UM PAÍS DESMEMORIADO E A UNIÃO DE LULA E FHC
Uma das principais vantagens do ex-presidente Lula na vida política é a falta de memória do público e a mansidão dos adversários a quem ofende. Durante anos a fio Lula acusou Fernando Henrique, aos gritos e pelo mundo inteiro, de ter lhe deixado uma “herança maldita” no governo – insulto agravado pelo fato de ser uma mentira em estado puro.
Até pouco tempo atrás tratava FHC como uma das maiores, ou a maior desgraça que o Brasil já teve; era o grande satanás da “direita”, das “elites”, etc., etc.
Agora, candidato para governar o País pela terceira vez, Lula vira amigo de infância de quem acusava, cinco minutos atrás, de ser o retrato acabado do mal – e o inimigo engole tudo sem dar um pio.
Lula nunca retirou o que disse sobre a herança maldita. Nunca, aliás, disse uma palavra positiva sobre Fernando Henrique, ou sobre nada do que ele fez. Que raios, então, estão fazendo juntos?