Pedro do Coutto
No dia 6 de abril de 1952, um domingo, o bancário Afranio Arsenio de Lemos encostou seu Citroen negro, carro comum na época, ao lado do Clube Caiçaras, Av. Epitácio Pessoa. Eram 10 horas da noite. Foi a última coisa que fez na vida porque lhe desfecharam quatro tiros e 29 coronhadas.
Em 1958 a jovem Aida Cury foi convidada para uma festa num edifício em Copacabana. Dois homens a esperavam. Ao recusar um relacionamento sexual, foi espancada por um jovem com a participação de outro trágico personagem. Desmaiou ou morreu, não se sabe.
FORAM CONDENADOS – Seus assassinos se empenharam para retirar seu corpo do apartamento, e para isso recorreram ao porteiro. Diante a impossibilidade da remoção pelo elevador os criminosos a jogaram da janela para disfarçar o que aconteceu. Não conseguiram. Foram condenados pelo Tribunal do Júri.
A repercussão na imprensa foi enorme. O caso Bandeira também dividiu as opiniões dos jornais. E agora a repórter Renata Galf publicou na Folha de domingo uma reportagem sobre o debate que envolve o direito ao esquecimento.
Me surpreendi com uma informação que ela colocou na matéria revelando que na próxima quarta-feira o Supremo julgará recurso apresentado por alguém da família de um dos personagens trágicos para estabelecer o que chamou de direito ao esquecimento.
A razão de minha surpresa decorre da decisão unânime da Corte Suprema que eliminou a censura a qualquer tipo de manifestação jornalística ou artística. A campanha contra a censura foi liderada pelo jornalista Ruy Castro a partir de uma questão envolvendo biografia do cantor Roberto Carlos. Acentuo que a impossibilidade de censura não exime o autor de qualquer responsabilidade civil ou penal. Esta é outra questão.
CASO BANDEIRA – Falei no domingo, 6 de abril de 1952. O corpo de Afrânio foi colocado no banco traseiro e alguém levou o carro ao alto da Ladeira do Sacopã, na Lagora. O motivo da noite de abril, especulou-se, teria sido uma chantagem contra a filha de um político da época.
Havia fotografias de momentos reservados e teria sido paga certa quantia para comprar o silêncio. Mas o chantagista voltou à carga e um conselho da família pressionada decidiu pela eliminação do autor da chantagem.
O Globo fez forte carga em torno da acusação desfechada contra o tenente Jorge Franco Bandeira, enquanto a revista O Cruzeiro e os Diários Associados tomaram posição sustentando a inocência do oficial da aeronáutica.
MUDOU DE NOME – A jovem Marina, apontada como pivô do caso, conseguiu na Justiça, anos depois, mudar de nome. Mas isso nada tem a ver com direito ao esquecimento.
Há um detalhe importante; os autores da ação referente ao caso Aida Cury estão empenhados em cobrar da TV Globo indenização por ter colocado no ar reportagem sobre a tragédia muitos anos depois de 1958.
Na minha opinião, a questão do direito ao esquecimento deslocou-se para uma espécie de pagamento pelo uso do fato e de imagens relativas ao julgamento. Os juristas Paulo Rená da Silva Santarém, Isabela Zaleherg, Luiz Fernando Moncau e Anderson Schreiber opinam sobre o assunto. O motivo foi a inclusão da vítima no programa “Linha Direta”, há alguns anos.
GRANDE REPERCUSSSÃO – O caso Bandeira também teve grande repercussão e diversos fatos complicaram as suspeitas sobre ele. Uma delas o depoimento do arquiteto Nogueira Bastos, que na noite de domingo recebeu o aceno de duas mulheres na Praia de Botafogo, pedindo que as levasse à Av. Epitácio Pessoa porque seu atual namorada (à epoca) era oficial e andava armado. Queriam evitar o encontro entre o atual e o ex-namorado.
Bandeira foi condenado a 8 anos de prisão pelo Tribunal do Júri em 1954. Mas o julgamento foi anulado em 1959 porque uma jurada que se “desquitara”, alterando seu nome, assinou com o nome de casada. Bandeira foi reintegrado à Aeronáutica no posto de capitão.