Julia Lindner e Leandro Prazeres
O Globo
Com folga, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou a indicação do desembargador federal Kassio Marques à vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). A sessão desta quarta-feira, dia 21, foi marcada por uma série de elogios dos senadores ao magistrado, por questões relativas às suspeitas de plágio em trabalhos acadêmicos do desembargador e por acenos do indicado a conservadores.
A indicação foi aprovada pela CCJ pelo placar de 22 votos a favor e 5 votos contrários. O nome de Kassio Marques ainda precisa ser aprovado pelo plenário do Senado. Desde antes da sabatina, a expectativa era de que a CCJ aprovaria com facilidade o nome de Kassio Marques que, desde quando foi anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro como o indicado à sucessão de Celso de Mello, passou a manter conversas particulares com alguns parlamentares.
ELOGIOS – Em clima ameno, Marques chegou a receber uma série de elogios de parlamentares do governo e da oposição. Alguns dos parlamentares, como Renan Calheiros (MDB-AL), são alvo de investigações e processos que tramitam ou tramitaram no STF. Alegando ser “isento”, Calheiros disse que a escolha de Marques “elevará” o nível do Supremo. Crítico ao governo, Renan tem se aproximado da atual gestão nas últimas semanas.
“Sou isento, absolutamente isento, para avaliar as indicações do senhor Presidente da República. A indicação dos senhor Kassio é, sem demérito para ninguém, uma grande e oportuna indicação que com certeza elevará a nossa corte superior. É uma escolha técnica, criteriosa e especialmente prestigia o Nordeste. Ele demonstrou muita integridade, inteligência, uma espetacular cultura geral e postura moral inquestionáveis “, declarou.
Líder do PT, o senador Rogério Carvalho (SE), reforçou o apoio do partido ao nome de Marques e parabenizou o desembargador “pelo currículo”, alvo de questionamentos. Carvalho também elogiou “a forma como o magistrado respeitosamente atendeu e respondeu a todos”.
ACENO – No início da sabatina, Kassio Marques fez um aceno às alas conservadoras do Senado. Ele classificou sua indicação como uma espécie de “chamado”, fez menções a Deus e até citou um salmo. “Pela manhã, quando acordei lembrei-me do momento que mais tarde me aguardava. A sessão de sabatina no Senado federal. Por alguma razão, associei minha participação em todo esse contexto a um verdadeiro chamado”, afirmou o desembargador.
Em seguida, Kassio Marques recitar o salmo Isaías, versículo 12. “Eis o Deus meu salvador, eu confio e nada temo. O senhor é minha força, meu louvor e salvação. Com alegria bebereis do manancial da salvação”, declamou o indicado. Questionado sobre sua posição diante das propostas de descriminalização do aborto, Kassio Marques disse que seu posicionamento pessoal é a favor da vida.
“No meu lado pessoal, eu deixei bem claro na minha apresentação, eu sou um defensor do direito à vida e tenho razões pessoais para isso. Se eventualmente for necessário (explicar), são questões pessoais, familiares é a minha formação, é sempre em defesa do direito à vida”, afirmou. Ele afirmou que, na sua avaliação, o atual marco legal sobre o assunto é “razoável” e que o Judiciário ou o Legislativo só deveriam mudá-lo se forem provocados por algum fato grave.
PLÁGIO – Apesar dos elogios recebidos, Kassio Marques também teve que enfrentar questionamentos em relação às suspeitas de plágio em sua dissertação de mestrado e em sua tese de doutorado. Desde a sua indicação, surgiram informações sobre semelhanças entre trechos de seus trabalhos acadêmicos e os do advogado Saul Tourinho. No arquivo da sua dissertação de mestrado, o nome de Saul consta como “dono” do arquivo.
Kassio Marques disse que o problema ocorreu porque ele trocou arquivos com o advogado Saul Tourinho durante a elaboração de sua tese de mestrado, em 2015. Segundo ele, isso explicaria o nome de Saul constar como “dono” do arquivo. Isso também, de acordo com o desembargador, explicaria o fato de o arquivo com a dissertação estar registrado em nome do escritório Pinheiro Neto Advogados, onde Saul trabalhou.
“Quando você faz um compartilhamento de arquivo, se eu pego o texto que eu elaborei e encaminho para um senador, vossas excelências, ao manusearem ele, o registro que foi feito, se ele foi feito o registro na máquina, ele vai pra sua máquina, e a depender… são critérios de informática que eu não sei responder, o arquivo fica registrado”, disse o desembargador.
SEGUNDA INSTÂNCIA – Kassio Marques foi questionado diversas vezes sobre sua posição em relação à possibilidade de cumprimento de pena após a condenação em segunda instância. Em 2019, o STF revertou uma decisão da Corte e permitiu que a prisão só possa acontecer após o esgotamento o chamado trânsito em julgado.
O desembargador, no entanto, fez uma sugestão aos senadores para que haja uma calibragem nas regras da prisão após condenação em segunda instância para evitar possíveis injustiças. Ele defendeu que as decisões judiciais devem ser bem fundamentadas para que a aplicação da regra não ocorra de maneira automática, desconsiderando os antecedentes criminais dos réus.
“Se de um lado temos um criminoso habitual, um traficante, que tenha por profissão delinquir, e do outro lado um pai de família, empregado, com residência fixa e sem antecedentes, mas que por um infortúnio se envolveu em uma briga próximo a sua casa de natureza grave, naquela condenação de segunda instância, se não dermos a possibilidade de fundamentar uma decisão de recolhimento, iríamos aplicar em sede desse automatismo o recolhimento dessas duas pessoas”, disse o desembargador.