Bernardo MelloO Globo
Áudios gravados em inglês a partir de uma conversa telefônica da jornalista Constança Rezende, de “O Estado de S. Paulo”, passaram a ser republicados com traduções em português acompanhadas por acusações falsas, na noite de domingo, por sites noticiosos que apoiam o presidente Jair Bolsonaro. As publicações distorceram trechos da conversa para difamar o trabalho da jornalista, o que foi repudiado por entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e até pelo site francês “Mediapart”, onde um de seus blogueiros fez a postagem original.
Uma das publicações de maior alcance em português, do site “Terça Livre”, foi assinada pela jornalista Fernanda de Salles Andrade, nomeada em fevereiro para o gabinete de um deputado estadual do PSL, partido de Bolsonaro, em Minas Gerais. A informação foi publicada inicialmente no “Blog do Berta” e confirmada pelo Globo.
NOMEAÇÃO – O Diário Oficial do Legislativo mineiro mostra que Fernanda de Salles Andrade foi nomeada, com data de publicação em 2 de fevereiro, no gabinete do deputado estadual Bruno Engler (PSL), com jornada de 6 horas diárias e no “padrão VL-40” — terminologia que, de acordo com a tabela de vencimentos da casa, corresponde a um valor mensal de R$ 6.543,79.
O Globo ligou para o gabinete de Engler em busca de Fernanda, mas uma funcionária informou que ela estava em reunião e não poderia atender. Até a publicação desta reportagem, Fernanda não havia retornado as mensagens enviadas pelo GLOBO.
Em suas redes sociais, Fernanda publicou um vídeo, na tarde desta segunda, em que Bolsonaro elogia seu trabalho. Não fica clara, a partir da publicação, a data de gravação. Na legenda da postagem, Fernanda ironiza as associações entre sua atuação e o apoio ao presidente. “A mídia está me “acusando” de ser Bolsonaro. Vou facilitar a vida dos que acham que isso é um problema hahaha! Podem usar esse vídeo, senhores difamadores”, escreveu Fernanda.
EM INGLÊS – Os áudios, de acordo com o “Estadão”, são fruto de uma conversa do dia 23 de janeiro entre a jornalista Constança Rezende e uma pessoa que se apresentou como Alex MacAllister. O interlocutor seria um estudante desenvolvendo um estudo comparativo entre Bolsonaro e o presidente dos EUA, Donald Trump. A conversa foi travada em inglês.
Nos áudios, a jornalista do “Estadão” é perguntada sobre a publicação de matérias a partir de documentos do Coaf que mostravam movimentações atípicas na conta de Fabrício Queiroz, antigo assessor do senador Flávio Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro. A publicação do site “Terça Livre” alega que Constança teria dito que a apuração do caso Queiroz teria como intenção “arruinar Flávio Bolsonaro e o governo”. A gravação do diálogo, no entanto, não inclui o trecho mencionado pelo portal e pelo presidente.
SOLIDARIEDADE – A divulgação dos áudios ocorreu inicialmente no blog de Jawad Rhalib no site francês Mediapart, na última quarta-feira. Rhalib, documentarista e cineasta belga com produções que abordam o desafio das liberdades individuais em países islâmicos, afirma em seu texto — intitulado “Para onde vai a imprensa?” — que se juntou a um estudante “de uma famosa universidade britânica” para conduzir uma pesquisa sobre reações da imprensa ao presidente do Brasil.
Rhalib divulgou cinco arquivos de áudio, assim como a transcrição de trechos dessa conversa, acusando a jornalista de obter documentos ilegalmente e conspirar contra Bolsonaro. O cineasta belga também escreve, em dado momento, que não é “um fã de Bolsonaro”, mas afirma discordar do “uso do poder da mídia” numa suposta tentativa de derrubar o presidente.
Na tarde desta segunda-feira, porém, o Twitter oficial do Mediapart escreveu uma mensagem, em português, na qual manifesta solidariedade a Constança Rezende e afirma que as informações tiradas do artigo “são falsas”.
POSTAGENS – Após a publicação original, em francês, o site pró-Trump “Washington Times” publicou, na sexta, uma versão com trechos traduzidos para o inglês. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) compartilhou o texto numa rede social na noite de domingo, pouco antes da publicação do artigo assinado por Fernanda de Salles Andrade no “Terça Livre”. O próprio presidente Jair Bolsonaro publicou, no domingo, um vídeo com trechos dos áudios.
Nesta segunda-feira, entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) repudiaram a publicação de Bolsonaro. A OAB afirmou que o caso configura “um novo ataque público à imprensa”. Para as entidades, o caso “mostra não apenas descompromisso com a veracidade dos fatos” por parte de Bolsonaro, como também “o uso de sua posição de poder para tentar intimidar veículos de mídia e jornalistas”.
PROTESTOS – As duas organizações consideram a atitude “incompatível com o discurso de defesa da liberdade de expressão” e destacam que a imprensa livre é um dos pilares da democracia, abalado “quando um governante mobiliza parte significativa da população para agredir jornalistas e veículos”. Outras entidades, como a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) também divulgaram notas de repúdio.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – A ABI (Associação Brasileira de Imprensa) ficou fora e não emitiu nenhuma nota sobre a agressão à jornalista e ao pai dela, com base em notícias falsas. É muito triste o que está acontecendo com uma instituição tradicional, que deveria ser a mais democrática do país, mas não sabe promover eleições livres, prefere um jogo de cartas marcadas. (C.N.)
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – A ABI (Associação Brasileira de Imprensa) ficou fora e não emitiu nenhuma nota sobre a agressão à jornalista e ao pai dela, com base em notícias falsas. É muito triste o que está acontecendo com uma instituição tradicional, que deveria ser a mais democrática do país, mas não sabe promover eleições livres, prefere um jogo de cartas marcadas. (C.N.)