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quarta-feira, dezembro 01, 2010

A falta que faz o murro na mesa

Carlos Chagas

Como se não bastasse essa luta de foice em quarto escuro entre os partidos da base governista, disputando lugares no ministério, revela-se agora uma sub-briga de características ainda mais singulares: engalfinham-se as diversas facções em que o PT se divide. A turma do “Construindo um Novo Brasil”, dizendo-se majoritária, protesta contra a entrega do ministério da Justiça a José Eduardo Cardozo e a perspectiva de se tornarem ministros Fernando Pimentel, Idely Salvatti e Patrus Ananias, entre outros.

Nessa época em que, de trás para a frente, uniram-se até o “Comando Vermelho”, o “Terceiro Comando” e o “Amigos dos Amigos”, felizmente derrotadas as três quadrilhas nos morros do Rio, não deixa de ser irônico que o PT, em vez de unir-se, ofereça o espetáculo de um tiroteio explícito e sem quartel.

O presidente Lula e a sucessora, Dilma Rousseff, parecem estar acima dos diversos grupos do PT, mas insurgem-se com a ambição dos companheiros. O resultado final poderá ser o aparecimento de muito mais ressentidos do que de agradecidos.

Para demonstrar que não apenas o partido oficial se divide, tome-se o PMDB. O governador Sérgio Cabral, posto no alto do prestígio nacional, acaba de vetar a ida de Moreira Franco para o ministério. Ignora-se a reação da presidente eleita diante da inusitada intervenção, mas o vice-presidente eleito e presidente do partido, Michel Temer, não gostou nem um pouco. Ele é Moreira e não abre, apesar das reverências devidas ao governador fluminense por conta da vitória no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro.

Assim continua a novela da composição da nova equipe de governo, que, vale repetir pela milésima vez, só se resolverá com um murro na mesa, a ser dado por Dilma. Afinal, o sistema é presidencialista, onde só um deveria mandar e os outros, obedecer.

E NÓS, COMO FICAMOS?

Anunciou o ministro do presente e do futuro, Guido Mantega, que continuará por mais um ano a redução do IPI para materiais de construção. Excelente iniciativa, capaz de oxigenar o mercado de trabalho e contribuir para a diminuição do déficit habitacional. O empresariado exultou porque pagar menos imposto nesses tempos bicudos de taxações exorbitantes é um refrigério.

Fica a pergunta, no entanto, sobre que bondades o governo Lula-Dilma poderá fazer para o assalariado de classe média, aquele que só tem se defrontado com maldades, há décadas. Deixando para outro dia discutir se salário é renda, porque não é, apesar da distorção mundial da premissa, que tal a nova equipe econômica preparar alguma boa surpresa para as dezenas de milhões que vivem de salário no país inteiro? As massas menos favorecidas recebem o bolsa-família. As elites vão muito bem, obrigado, envoltas em benesses e privilégios. Mas para o cidadão que paga impostos e se defronta com a precariedade dos serviços públicos, sobra o quê?

MEGALÓPOLIS

Nas eleições de 1945 venceu o general Eurico Dutra porque 80% da população vivia no interior, apenas 20% nas cidades. Hoje, conforme o censo recém-realizado, oito em cada dez brasileiros residem nas cidades. Como ultrapassamos os 190 milhões de habitantes, eis aí a explicação de por que Dilma Rousseff elegeu-se com a maioria do voto urbano. Não demora para que certas regiões, mesmo inter-estaduais como Rio e São Paulo venham constituir-se numa imensa megalópolis. O trem-bala passaria, do começo ao fim de seu trajeto, entre um emaranhado de casas, edifícios, casebres e sucedâneos.

É preciso tomar cuidado. Virou mistificação o discurso da necessidade de fixação do homem no campo. Se ele continua demandando as cidades, com todas as suas agruras, é porque a vida no interior fica sempre pior em matéria de necessidades básicas, a começar pelo emprego, a saúde e a educação.

NÃO FOI À RUA DA ALFÂNDEGA NEM À 25 DE MARÇO

A divulgação de milhares de mensagens reservadas dos embaixadores dos Estados Unidos à Secretaria de Estado revela o despreparo de muitos deles diante da realidade dos países onde serviram. Não dá para aceitar a versão de Clifford Sobel sobre o Brasil vir prendendo, punindo e até expulsando terroristas, ainda que os acusando da prática de outros delitos. Terrorismo, por aqui, só aquele promovido pelos narcotraficantes, jamais com conotações geopolíticas, ideológicas, religiosas ou de berço. O ex-embaixador bem que poderia ter dedicado parte de seu tempo passado entre nós para visitar a rua da Alfândega, no Rio, ou a 25 de Março, em São Paulo, para verificar como é possível conviverem árabes e judeus em ambiente de paz e cordialidade. Como não deu um exemplo sequer da versão enviada para Washington, fica devendo…

Fonte: Tribuna da Imprensa

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