Morreu nesta sexta-feira, aos 72 anos, o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia. Ele estava internado desde o final de dezembro no Hospital Sírio-Libanês, na capital paulista, lutando contra o agravamento de um câncer de próstata descoberto há 13 anos. O corpo do ex-governador seria velado no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual de São Paulo. O enterro foi marcado para este sábado, às 9 horas, no Cemitério do Morumbi.
Quércia, que exercia atualmente a presidência do PMDB paulista, se candidatou a uma vaga ao Senado nas eleições deste ano, mas abandonou a disputa no início de setembro, por causa dos problemas de saúde. Antes da desistência, as pesquisas apontavam Quércia empatado com Netinho de Paula (PCdoB) na segunda colocação. A saída de Quércia foi vista como um dos principais motivos da vitória de Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), eleito senador por São Paulo com Marta Suplicy (PT).
Político teve vida em dois atos: passou de democrata a oligarca
Rogerio Waldrigues Galindo
A vida de Orestes Quércia pode ser dividida em dois atos, de acordo com o cientista político e professor de Ética da Universidade de Campinas (Unicamp) Roberto Romano. O primeiro, de ascensão, tem seu auge em 1974, quando ele chega ao Senado numa vitória contra a ditadura militar. O segundo, de queda, tem início justamente quando Quércia chega ao ápice de seu poder, ao assumir o governo do estado de São Paulo.
“A eleição de 1974 foi um símbolo importante do crescimento do MDB e do enfraquecimento do regime militar brasileiro”, afirma o professor. Naquele momento, candidatos do partido de oposição em vários estados do Brasil impunham derrotas à Arena, o partido oficial da ditadura. No Paraná, por exemplo, o pouco conhecido Leite Chaves também venceria as eleições daquele ano. “Foi um momento em que Quércia representou o Brasil inteiro em sua luta pela democracia”, diz Romano.
Ainda nesta fase, um ponto importante da carreira de Quércia foi a proposta de convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte no momento de abertura do regime militar, em 1979. A Constituição democrática seria concluída somente uma década mais tarde, em 1988, e não viria de uma constituinte.
“A nossa Constituição foi redigida pelo próprio Congresso, que se autoproclamou constituinte. Isso causa um problema de origem, até. Se a proposta de uma Assembleia Constituinte tivesse sido aprovada, teríamos uma Carta diferente”, aposta o cientista político. A Assembleia seria eleita exclusivamente para redigir a Constituição, e trabalharia separadamente do Congresso Nacional. “Certamente o grupo eleito para essa tarefa teria um perfil muito mais democrático, mais interessado em colocar conceitos democráticos na Constituição”, diz.
Romano destaca, porém, que a fase áurea de Quércia como líder nacional tem um fim quando ele se elege para o governo de São Paulo, em 1987. “Nesse segundo momento, ele se torna apenas mais um líder regional oligárquico como tantos outros”, afirma o professor. Os ideais de antes são vez a um pragmatismo voltado para os próprios interesses e para a perpetuação do grupo político que ele representava no poder paulista.
“O momento mais baixo do Quércia foi quando ele, às expensas das finanças de São Paulo, impôs o Fleury como seu sucessor no governo”, afirma. Luiz Antônio Fleury Filho, secretário da Segurança Pública, foi escolhido por decisão única de Quércia como candidato. Mais tarde, os dois romperiam, acelerando ainda mais o processo de desgaste de Quércia, que nunca mais ganharia uma eleição e ficaria marcado muito mais pelo seu lado fisiológico, mostrado nos anos finais da carreira, do que pelo seu período inicial no MDB.
O governador do Paraná, Orlando Pessuti (PMDB), destacou a atuação de Quércia dentro do partido. “Recebo com tristeza a notícia do falecimento do Orestes Quércia, com quem tinha uma amizade pessoal. Conheço sua história e militância dentro do PMDB desde o início do partido. Ele foi uma das principais lideranças e uma das principais referências na luta democrática que o MDB desenvolveu principalmente na década de 1970”, declarou.
O governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), disse que Quércia já estava com a consciência bastante debilitada havia alguns dias, e que a última conversa que tiveram foi há aproximadamente três semanas. Alckmin definiu o aliado como “um homem público que lutou pela democracia”: “Trabalhamos juntos na redemocratização do país. Nosso sentimento, nosso carinho, nossas orações e nossa solidariedade à família do governador Orestes Quércia”, disse.
A carreira política de Quércia foi marcada por escândalos e acusações de corrupção e enriquecimento ilícito, tanto na prefeitura de Campinas quanto no governo de São Paulo. Apesar disso, nunca recebeu uma condenação em última instância. Foi acusado de desviar mourões do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) para construir cercas em sua fazenda em Pedregulho (SP); de importar sem licitação equipamentos eletrônicos de Israel; de superfaturar obras do metrô; e de irregularidades na privatização da Vasp.
Em 1991, o então governador do Paraná, Roberto Requião, rival partidário de Quércia, criou o serviço “Disque Quércia para Corrupção”, um número de telefone para o qual os brasileiros poderiam ligar para denunciar o colega paulista. Mais tarde, os dois oponentes se tornaram aliados. Neste ano, Quércia apoiou a pré-candidatura de Requião à Presidência. Ontem, o senador eleito pelo Paraná escreveu uma mensagem sobre o tema no Twitter. “Meus pêsames à família de Quércia e à família peemedebista de São Paulo”, escreveu.
Ao se candidatar a senador em 2010, Quércia declarou à Justiça Eleitoral que seus bens somavam R$ 117 milhões. Empresário dos ramos imobiliário e de comunicação, era proprietário do Grupo Sol Panamby – controlador da rádio Nova Brasil FM, do jornal financeiro DCI, de emissoras afiliadas ao SBT (TVB Campinas e TVB Santos), do Shopping Jaraguá e de várias fazendas.
História
Natural de Pedregulho (SP), onde nasceu em 18 de agosto de 1938, Orestes Quércia começou sua vida pública no movimento estudantil, quando era aluno da Escola Normal Livre de Campinas. Em seguida, cursou Direito na PUC de Campinas, tendo dirigido o jornal do centro acadêmico. A partir de 1959, começou a trabalhar nos jornais e rádios da cidade.
Vereador aos 25 anos pelo Partido Libertador (PL), cargo então não remunerado, mergulhou de vez na política. Foi eleito deputado estadual já pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que ajudou a fundar em Campinas. Fez dobradinha com Ulysses Guimarães e obteve 14,8 mil votos. Em 1968, foi eleito prefeito de Campinas. Investiu na construção de casas populares, asfaltamento de ruas em bairros e obras sociais.
Em 1974, elegeu-se senador derrotando a candidatura favorita de Carvalho Pinto, da Arena. No Congresso, foi um crítico da política econômica do presidente Geisel.
Em 1980, com a volta do pluripartidarismo, manteve-se no PMDB. Dois anos depois, seria eleito vice-governador de São Paulo, formando chapa com Franco Montoro. Na eleição seguinte, conquistou a vitória para o governo paulista enfrentando Paulo Maluf, Antônio Ermírio de Moraes e Eduardo Suplicy. Fez o seu sucessor, Luiz Antônio Fleury Filho, em 1990, mas daí para a frente só amargurou derrotas – ao se candidatar a presidente da República em 1994, a senador em 2002 e, mais duas vezes, a governador, em 1998 e em 2006.
Fonte: Gazeta do Povo