Por Antonieta Barbosa
O câncer é uma doença que apavora a humanidade, desafia a medicina desde os primórdios da ciência e, de tão estigmatizada, referimo-nos a ela sob as mais diferentes denominações como “CA”, “nódulo”, “tumor”, “problema” ou “aquela doença”, evitando-se assim constrangimentos.
O impacto do diagnóstico assemelha-se a uma bomba psicológica. Seu efeito devastador age como um terremoto emocional e se propaga em círculos, atingindo não só o paciente como todos os seus entes queridos, mormente quando acomete crianças e jovens saudáveis. Seja pelas perspectivas sombrias, que a doença encerra, seja pelas mutilações e agressividade do tratamento.
Um diagnóstico de câncer vem sempre associado à ideia de morte. No ano passado, somente no Brasil, cerca de 500 mil pessoas receberam esta cruel notícia e o que poderá ter acontecido com suas vidas, após essa traumática experiência, é algo imponderável, até porque em muitos casos não depende só dos avanços da ciência, mas também das condições materiais da família atingida.
Acometida de câncer de mama em 1998 passei por toda a via crucis que o paciente é obrigado a percorrer e que não se resume à mutilação física e aos tratamentos agressivos de quimio e radioterapia, mas afeta o paciente também no aspecto psicológico, emocional, moral e financeiro, sendo este último um dos problemas de mais difícil equacionamento. Não raro parentes e amigos, na esperança da cura e na tentativa de ajudar, se desfazem de parte ou até mesmo de todo o seu patrimônio. Estatísticas revelam que cerca de 25% das famílias brasileiras gastam as economias de toda uma vida com o tratamento de câncer de um parente.
Como se não bastasse a luta pela vida, o paciente terá que enfrentar uma maratona jurídica se quiser fazer valer os direitos que o nosso sistema jurídico oferece de forma esparsa, confusa e de interpretação controversa. Durante a difícil caminhada, na peregrinação pelas repartições e entidades que deveriam prestar informações e facilitar a vida dos pacientes, me deparei com muita desinformação e enfrentei entraves burocráticos que pareciam intransponíveis, além de processos judiciais desgastantes e intermináveis.
Convivendo com pacientes dos mais diversos tipos de câncer, percebendo a enorme demanda por informações e tentando, de alguma forma, amenizar o seu sofrimento, resolvi compartilhar e divulgar amplamente os conhecimentos que havia conseguido nessa minha luta, através da publicação do livro Câncer – Direito e Cidadania.
Resultado de minuciosa pesquisa e estudo de casos, o livro revela direitos, ensinando passo a passo como requerer e receber benefícios e isenções que podem propiciar ao doente um tratamento digno e uma melhor qualidade de vida. O vazio bibliográfico sobre o tema e a inacessibilidade da nossa legislação acarretaram um enorme impacto na publicação desse livro, que em menos de cinco anos alcançou a 12ª edição.
Entre outros, estão catalogados na obra os seguintes direitos e benefícios a que faz jus o paciente de câncer:
Aposentadoria integral – Benefício concedido ao paciente incapacitado para o trabalho, com vencimentos integrais, mediante comprovação da doença sem a necessidade de carência ou idade mínima. A incapacidade no caso não é só física, é também psicológica, emocional, moral, social e até financeira. Importante observar que o Servidor Público tem direito a esse benefício mesmo que tenha contraído a doença após a aposentadoria, podendo inclusive transformar a aposentadoria proporcional em integral, se for o caso.
Isenção do Imposto de Renda – Os proventos de aposentadoria, reforma e pensão são isentos do Imposto de Renda, e essa isenção também abrange outros benefícios como valores recebidos a título de auxílio-doença, pecúlios, prêmios de seguro, etc.
Saque do FGTS – O trabalhador acometido de câncer ou Aids pode sacar integralmente os depósitos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), tanto para seu tratamento quanto para tratamento de qualquer dos seus dependentes.
PIS/Pasep – Direito de saque para tratamento de câncer ou Aids do paciente ou dos seus dependentes, devendo ser requerido junto à Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, respectivamente.
Constribuição previdenciária – Com a aprovação da Emenda Constitucional 47/05, o teto de isenção para base de cálculo da contribuição previdenciária dos servidores públicos aposentados por doença grave foi ampliado, o que reduziu em conseqüência os valores descontados.
Isenção de IPVA, IPI, IOF E ICMS na aquisição de automóveis – Nos casos em que a deficiência causada por câncer ou qualquer outra doença, dificulte a direção de um veículo comum. Como exemplo dessa situação, podemos citar pessoas que extirparam os gânglios linfáticos axilares ou inguinais em decorrência de câncer de mama, próstata, linfoma, entre outros, e que tiveram comprometimento em membros superiores ou inferiores. Esse benefício significa uma redução de cerca de 30% no valor de aquisição do veículo, salientando que a isenção do IPVA é retroativa aos últimos 5 anos, conforme o caso.
Cirurgia de reconstituição mamária – Tanto as unidades conveniadas do SUS quanto os Planos de Saúde estão obrigadas por lei, a fazer gratuitamente a cirurgia de reconstituição mamária em mulheres mutiladas em decorrência de tratamento de câncer.
Seguros – Direito de resgatar prêmio de seguro nos contratos com cláusula de cobertura por invalidez decorrente de doença, caso o segurado seja considerado inválido.
Quitação da casa própria – Nos contratos com cláusula de quitação por invalidez permanente, sendo constatada essa situação, o financiamento será quitado em relação paciente mutuário.
Transporte, pousada e alimentação – Portaria do Ministério da Saúde garante passagens, alimentação e hospedagem para o paciente e acompanhante, quando necessário, para tratamento fora do domicílio, valendo salientar que os valores são irrisórios, pois dependem de disponibilidade orçamentária dos municípios.
Transporte urbano – Gratuidade de transporte urbano durante o tratamento, já regulamentado por vários municípios.
Alertando que alguns desses benefícios podem gerar efeitos retroativos, o livro também trata dos direitos do paciente frente aos planos de saúde e na relação médico-paciente, explicitados com detalhes na obra, que se tornou uma referência em todo país. Muitas vezes uma simples informação transforma completamente a situação à medida que o paciente passa a ter condições de reconhecer e exigir os seus direitos.
Ficou demonstrado que o resgate da cidadania ajuda no processo de recuperação da autoestima do doente e influi positivamente na sua qualidade de vida. Apesar da divulgação de todas essas informações é forçoso reconhecer que ainda há um longo caminho a percorrer para que o paciente de câncer tenha uma justa e efetiva proteção do Estado e da sociedade, pois uma doença grave fragiliza extremamente não apenas o paciente, mas toda sua estrutura familiar.
Falta iniciar e aprofundar a discussão pelos atores sociais envolvidos para que a legislação se torne mais humana e mais coesa a fim de que o cidadão tenha condições de identificar e reivindicar os benefícios a que faz jus com a celeridade que a sua doença exige, sendo poupado de sofrimento, vexames e humilhações desnecessárias. Provavelmente dessa discussão possa surgir algo inovador como um “Estatuto do Paciente” que resultará numa significativa redução do custo social e humanitário, consequência dessa assustadora doença e certamente contribuirá para a elevação do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano - do nosso país.
Ser reconhecido e respeitado como cidadão pode não curar a doença, mas encoraja o paciente a conviver com a sobrecarga que ela acarreta, até porque a vida continua com o câncer e apesar dele. Devemos ter em mente, no entanto, que o paciente de câncer, por todo esse sofrimento multifacetado a que é exposto, tem direito não apenas a uma morte digna, mas principalmente e, sobretudo a uma vida digna.
Fonte: Conjur
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