Asssociação de servidores acusa coronel Guimarães de indeferir 98% dos recursos em que condutores recorreram das multas
Alexandre Lyrio e Maíra Portela
O coronel Adelson Guimarães é considerado um homem rígido. Mas, quando se trata de fazer valer o pagamento das multas de trânsito aplicadas em Salvador, parece extrapolar os limites da severidade. Desde que assumiu a Superintendência de Engenharia de Tráfego (SET), em 29 de maio de 2007, praticamente todos os recursos contrários às autuações e movidos pelos condutores foram indeferidos pelo órgão. Dos 23.796 processos julgados e homologados entre junho de 2007 e julho de 2008, apenas 429 foram favoráveis aos motoristas, o que significa que 98,2% deles terminaram punidos. Não bastasse tal disparidade, uma recente comunicação interna (CI) da Comissão de Autuação do órgão solicita que outros 21 mil recursos sejam também negados antes mesmo de serem julgados.
O comportamento do coronel Guimarães, alvo de críticas por parte dos agentes da SET (em greve desde o dia 29 de julho), levou a Associação dos Servidores em Transporte e Trânsito do Município (Astram) a ingressar no Ministério Público Estadual (MPE) com uma representação contra o gestor. A ação reúne dados dos processos indeferidos pelo órgão, obtidos a partir de um levantamento feito pela associação através de extensa pesquisa no Diário Oficial do Município – onde são publicadas as decisões. A Astram, no entanto, não apresentou qualquer comparativo com gestões anteriores.
Não há como precisar o quanto a SET arrecadou com as infrações nesse período, já que os valores cobrados por cada multa variam de acordo com a gravidade. Mas a Astram calculou uma média do que é cobrado pelas autuações leves (R$53,20), médias (R$85,13), graves (R$127,69) e gravíssimas (R$191,54) e estimou uma arrecadação de R$2,4 milhões em pouco mais de um ano. “Se considerarmos apenas as multas graves e gravíssimas, que são a esmagadora maioria, esse número sobe para R$4,5 milhões”, atestou Edvandro Branco, representante da associação.
Por meio da assessoria de imprensa, o superintendente disse que não iria se manifestar antes de receber a interpelação do MPE. Enquanto isso, tudo indica que as negativas para os recursos vão continuar (ver anexo). Um ofício interno do órgão, assinado pelo presidente da Comissão de Autuação, Durval C. Filho, mostra que a intenção é fazer com que os recursos ainda em fase de julgamento sejam negados em primeira instância, sem qualquer avaliação prévia da comissão. Encaminhada ao Gabinete da Superintendência (Gasup), a comunicação interna sugere ao coronel “autorizar emergencialmente o indeferimento de todos os que se encontram aguardando julgamento, cerca de 21 mil processos, o que agilizará o serviço”.
Um dos trechos do documento parece reforçar a idéia de “indústria de multas” e chega ao ponto de sugerir ao superintendente que a diminuição da burocracia traria uma boa compensação financeira para o órgão: “A arrecadação das multas aumentará e os infratores serão punidos mais rapidamente”, indica o ofício, datado de 27/06/2008. Por outro lado, o documento garante que “a parte não será prejudicada porque poderá entrar com recurso administrativo”. “Isso é um absurdo. Eles estão negando o direito do cidadão à primeira instância, o que é previsto no Código Brasileiro de Trânsito (CBT)”, afirma o advogado da Astram, Danilo Ribeiro. A principal alegação da Comissão de Autuação é de falta de tempo e condição para análise da enorme quantidade de processos em tramitação.
Equipamentos eletrônicos - Na representação levada ao MPE, apesar de serem responsáveis por notificar boa parte dos condutores, os próprios agentes questionam a política de multas da SET para o trânsito de Salvador. “A média de erro é zero? A metodologia operacional utilizada pela SET é 100% eficiente?”. A associação também informa que a grande maioria das multas é provocada por radares e fotossenssores. “Se nós, agentes, erramos, imagine a máquina”, diz o representante da associação. Desde que a categoria entrou em greve, no último dia 29, essa é a terceira ação movida pela Astram no MPE. Como as outras, também pede abertura de inquérito para investigar condutas irregulares do coronel Adelson Guimarães.
Além de não querer se defender antes da convocação do órgão, a SET também se recusa a revelar os valores arrecadados e o que é feito com o dinheiro das multas. Tal determinação existe desde que Adelson Guimarães assumiu o posto. “Sei o valor, mas não lhe digo”, afirmou o próprio superintendente, em entrevista ao Correio publicada no último dia 26 de janeiro, quando foi denunciada a falta de transparência na destinação dos valores provenientes das multas.
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Concessão de ‘privilégios’
Ao analisar algumas publicações do Diário Oficial do Município (DOM) não é difícil encontrar milhares de processos indeferidos pelo coronel Adelson Guimarães. No exemplar do dia 18 a 20 de agosto de 2007, todos os recorrentes – um total de 180 – têm o recurso negado. A tese fundamentada pela Astram tem como base o levantamento feito no DOM entre o período de junho de 2007 e julho de 2008, exatamente o tempo que o superintende exerceu o cargo na SET.
Os representantes da associação sustentam ainda que o coronel Adelson Guimarães abre algumas exceções na severidade de deferir os processos para poucos privilegiados. “Boa parte dos que conseguiram as decisões favoráveis se trata de protegidos do coronel e de sua equipe”, acusa Evandro Branco, diretor da associação. A publicação do DOM do dia 26 a 28 de abril de 2008 exemplifica a denúncia. De 314 processos indeferidos, apenas cinco são absolvidos da infração, todos referentes a uma mesma pessoa: Eduardo Bomfim de Jesus.
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Notificações indevidas
Um dos fortes argumentos da SET para a enxurrada de recursos negados é de que a maioria das multas – mais de 80% – provém de equipamentos eletrônicos. Mas há casos em que se comprovam as falhas desse sistema. A aposentada Maria Aparecida foi uma das vítimas de um erro grotesco. Recebeu em casa uma autuação de trânsito acompanhada de uma fotografia, na qual um Celta preto é flagrado invadindo um sinal vermelho. O detalhe é que o carro de Aparecida não é o que aparece na imagem.
“Tenho um Peugeot. Recorri e negaram. Recorri de novo e negaram. Aí fui à sede da SET e mostrei a uma funcionária que concordou com a disparidade e garantiu a retirada da infração indevida”, contou a aposentada. Até a cor do veículo não condizia com a foto, já que o veículo de Aparecida é cinza. E não faltam reclamações.
O jornalista Pablo Batista Dias, 30, recebeu duas multas: uma por excesso de velocidade e outra por invasão de sinal. Mas antes de as notificações chegarem à sua residência, já estavam com o prazo para citação vencido. De acordo com o Artigo 281, da Lei 9.602/98 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o órgão responsável tem até 30 dias para expedir a Notificação de Autuação de Infração (NAI). Caso o período seja excedido, a multa do auto será considerada inconsistente e automaticamente cancelada. “Fiz a defesa e até hoje não recebi resposta. Acabei pagando porque vendi o carro”, contou. Pablo gastou cerca de R$120 com cada multa e não teve respeitado o direito previsto no CTB.
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COMO RECORRER
A proposta da Comissão de Defesa da Autuação solicita ao coronel Adelson Guimarães autorização para o indeferimento emergencial dos processos que aguardam julgamento – cerca de 21 mil. Caso a requisição seja atendida, os condutores perdem o direito à defesa prévia na primeira instância, ou seja, a comissão se isentaria do trabalho de avaliar os recursos, que seriam encaminhados automaticamente para a Junta Administrativa de Recursos de Infração (Jari), pertencente à Justiça de Trânsito. Saiba como recorrer das multas.
1º Passo: Ao receber a NAI (Notificação do Auto de Infração) o condutor responsável pela infração tem prazo de 15 dias para se apresentar e de 30 dias para realizar a defesa prévia.
2º Passo: Realizada a defesa prévia, a mesma será analisada pelo Setor de Defesa de Auto de Infração. Se a defesa for indeferida, o condutor recebe a NIP (Notificação de Imposição de Penalidade).
3º Passo: Para recorrer da NIP, o condutor tem um prazo de no máximo 30 dias. Ele deverá pagar a multa e entregar o recurso à SET, que o encaminhará à Jari (Junta Administrativa de Recursos de Infração).
4º Passo: Caso a Jari defira o processo, a SET restituirá o valor da multa mediante apresentação do comprovante de deferimento da Jari.
5º Passo: Se a Jari indeferir ainda resta uma instância, o Conselho Estadual de Trânsito (Cetran). Sendo deferido, o recorrente também é restituído. Mas se for indeferido, resta recorrer à Justiça comum.
* Documentos: Requerimento à SET, cópia de: carteira de habilitação, carteira de identidade, documentação do veículo, Notificação de Autuação da Infração (NAI), e demais documentos comprobatórios das alegações.
* Onde recorrer: Sede SET, no Edifício Ranulfo Oliveira, nº 1, Térreo, Praça da Sé.
Fonte: Ascom SET
Correio da Bahia
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