Amélia Vieira, do A Tarde e Eder Luis Santana,
do A Tarde On line
Entre junho de 2007 e julho de 2008, 98,2% dos 23.796 pedidos de reconsideração de multas foram negados a motoristas de Salvador, que recorreram depois de penalizados pela Superintendência de Engenharia de Tráfego (SET), segundo dados da Associação dos Servidores em Transportes e Trânsito do Município (Astram).
Entre os 429 motoristas que se livraram das multas (1,8% do total), há uma tia do prefeito João Henrique (PMDB), um funcionário da própria SET e um sindicalista do PT que buscou a influência de um vereador do PMDB para ter a defesa de suas multas avaliada.
Os nomes dos motoristas que recorrem das multas são publicados no Diário Oficial do Município (DOM), ao lado do parecer sobre o pedido. Na edição do dia 8 de janeiro deste ano, o DOM traz o nome de 200 condutores. Destes, 24 tiveram a defesa aceita, dentre eles a tia e madrinha do prefeito João Henrique Carneiro, Olívia Gomes Barradas.
Na mesma relação, consta o nome do advogado Joseval Brito Carneiro, irmão de Durval Carneiro Filho, que ocupa o cargo de presidente do Conselho de Defesa da Autuação da SET. É para este setor que vão os pedidos de defesa daqueles que são multados pelo órgão. Segundo informações das assessorias da SET e do prefeito, Durval Carneiro Filho não tem qualquer grau de parentesco com João Henrique.
A SET nega que haja influência na hora de liberar multas de motoristas. Depois de dois dias solicitando números mensais de multas, os recursos deferidos e indeferidos, entre outras informações, A TARDE foi informada pelo assessor Tony Pacheco de que não existe esse registro em periodicidade mensal. Através de nota, ele indicou que, nos últimos quatro anos, houve 121.472 processos, sendo 78.567 indeferidos e 11.198 deferidos. Os outros aguardam parecer.
Clonagem - A tia e madrinha de João Henrique, a escritora e professora Olívia Gomes Barradas, foi contatada pela reportagem, por telefone, em sua residência no Rio de Janeiro. A informação prestada foi que ela estaria em viagem ao exterior. Procurado, o prefeito respondeu por e-mail enviado pela assessoria de imprensa da SET. O documento atesta que a ocorrência data de 13 de setembro de 2007 e a defesa acatada por se tratar de placa clonada de um Opala 1988.
Mesmo com processos bem fundamentados e com pleitos justos, outros motoristas não conseguiram obter parecer positivo e fazer parte do percentual de 1,8%. É o caso do analista de sistemas Leonardo Santana, 43 anos. Ele recebeu duas multas por invasão de semáforo.
A primeira foi de 6 de agosto de 2006. Alegando não saber que podia recorrer na SET, ele aguardou chegar ao Detran, e, lá, o recurso foi indeferido. Ao receber a segunda multa, em 23 de maio de 2007, não quis pagar mais R$ 191,54 e ter sete pontos computados na habilitação.
Santana conta que a foto da multa era muito pequena. Ao ampliar na internet, apesar da baixa resolução, ele acabou descobrindo diferenças. Seu carro é um Uno azul 2004/05, cuja placa traseira fica abaixo dos faróis, enquanto o modelo que aparece na foto é de ano anterior e tem a placa entre os faróis.
Outra diferença é a existência de uma maçaneta traseira, que não existe no seu carro. “Ainda assim, foi indeferido meu recurso, com a explicação de que não havia argumentos jurídicos e administrativos. Não posso considerar essa uma análise séria”, lamenta Santana. Ele recorreu às Juntas Administrativas de Recursos de Infrações (segunda instância) e aguarda o parecer.
Para a presidente da Astram, Mércia Teixeira, é possível confirmar que a “indústria da multa está fortalecida em Salvador”. Mércia garante que os números fornecidos pela associação fazem parte de um levantamento feito diariamente nas edições do DOM. “Há relatos de agentes de trânsito que ouviram reclamação por estarem emitindo poucas multas”, comenta.
Mesmo sem comprovação, sua afirmação encontra fundamento numa comunicação interna, assinada por Durval Carneiro Filho, presidente da Comissão de Defesa da Autuação da SET, em 27 de junho último [veja fac-símile ao lado]. No documento, ele pede autorização ao coronel Adelson Guimarães, superintendente do órgão, para indeferir emergencialmente 21 mil processos que aguardam julgamento. A justificativa é que agilizará o serviço, diminuirá a burocracia e “a arrecadação das multas aumentará”.
Em nota, a SET disse que o superintendente determinou que o documento “fosse desconsiderado”. “Não existem 21 mil processos indeferidos. A SET tem sido o alvo preferido de uma campanha de nítida conotação político-eleitoreira”, diz o texto.
Fonte: A Tarde
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