por Deoclécio Galimberti
Do atual governo nada mais surpreende depois do “mensalão” para compra de votos de deputados – com dinheiro nas cuecas e na mala do bispo – e o “equívoco” de alguns ministros no uso de cartões corporativos em gastos particulares. Todas as investigações foram colocadas de lado e o silêncio foi sepulcral quando quiseram comparar as despesas pessoais do presidente anterior com as do que lhe sucedeu. Portanto, não causa estranheza o assanhamento de alguns conhecidos extremistas de ontem, condutores da República de hoje, postulando a revisão da anistia, olvidando que os excessos havidos partiram ou foram provocados por oponentes ao governo.
Anistia vem do grego “amnestia”, que, vertida para nossa língua, deu-nos amnésia (prefixo “a” = privação + “mnésias” = lembrança), ou seja, esquecimento. É o perdão concedido pelo governo aos rebeldes, sediciosos, criminosos de delitos políticos, isentando-os das infrações penais até então cometidas. No Brasil, desde o tempo do Império, é tradição conceder anistia, tanto que Duque de Caxias era cognominado “O Pacificador”. Aliás, os magnânimos sentimentos do povo brasileiro não permitem alimentar por muito tempo ódios e rancores, culminando com o perdão aos opositores.
Os adeptos da pretendida revisão talvez não se deram conta de que a anistia, uma vez concedida, não pode ser revogada, por empecilho constitucional descrito no inc. XXXVI do art. 5º (“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”). Ademais, os opositores da Revolução de 1964 não se esqueceram de tirar o máximo proveito da anistia, retornando aos cargos públicos ou recebendo indenizações e pensões dos cofres da União.
Há ainda que se ponderar que o art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, regulamentado pela Lei n. 10.559, de 13-11-2002, é norma abrangente, ampla e irrestrita, de forma que pretender revisioná-la – depois de decorridas mais de quatro décadas – seria aflorar atos de terrorismo, assassinatos, seqüestros, assaltos a bancos, roubos à mão armada, inclusive cofre de político, cuja autoria certamente respingaria em alguns ocupantes de posições elevadas do atual governo.
Diante disso, a prudência recomenda não acirrar os ânimos com questões que pertencem ao passado, cuja exumação poderá redundar em desnecessárias e inúteis discussões entre os antigos subversivos e militares, cujo resultado não seria benéfico ao Brasil. Pelo contrário, é deveras provocativa a maneira como o Ministro da Justiça vem conduzindo a questão, com requintes de desforra, podendo daí eclodir desentendimento no seio de nossa sociedade, posto que a ninguém é recomendável cutucar onça com vara curta.
Revista Jus Vigilantibus,
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