Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Conforme publicou "O Globo" no fim de semana, conclui-se ser desleal à concorrência entre o estado de Direito e o crime organizado. Porque, se procurar emprego honesto, um jovem desfavorecido economicamente, com pouca ou nenhuma escolaridade, morador da favela, encontrará no máximo o salário mínimo, isto é, 415 reais por mês. Caso decida aderir aos bandidos que já controlam e até infernizam sua vida, disporá de muito melhores opções.
Para ingressar nas Forças Armadas, de preferência pára-quedistas ou fuzileiro naval, a fim de preparar-se para transferir conhecimentos bélicos ao narcotráfico, além dos vencimentos e do apoio dado pelas corporações oficiais, receberá do crime organizado um abono de 300 reais por semana.
Conseguindo inscrever-se numa quadrilha qualquer, seja como "instrutor", "avião", "soldado" ou "fogueteiro", sua remuneração poderá chegar a 1.500 reais, também por semana. Precisará ser aprovado em diversos "cursos", como "guerra na selva", "guerrilha urbana", "tiro", "natação em esgoto" e similares. Depois, o céu é o limite, como "gerente", "empresário" e "controlador de ponto de venda de drogas".
Dá para o humilhado, desprezado e indignado menino hesitar? Do poder público sofre apenas o abandono e a truculência, quando a polícia sobe o morro. Do narcotráfico, proteção para ele e sua família, remédios, alimentação, até ajuda em dinheiro para velórios e festinhas de aniversário.
Seus valores são outros, ainda que o risco, infinitamente maior. Mas o que tem a perder o indigitado jovem, senão a própria vida, para a qual dedica importância relativa? Essa realidade explica porque o crime organizado cresce, desce o morro e começa a dominar o asfalto.
Fazer o quê, do lado de cá? Os policiais que não se corrompem ganham bem menos do que seus adversários. Sofrem mais, até porque boa parte deles obriga-se a morar nas favelas, mesmo escondendo sua condição profissional e sua farda. Em termos de armamento, perdem sempre. Para não falar na permanente intranqüilidade.
Muitos ingressam nas milícias, engodo logo desvendado, pois elas utilizam os mesmos métodos dos criminosos, explorando as comunidades e submetendo-as a constrangimentos parecidos, tudo dependendo da altura em que se encontram os casebres: mais para cima, submetem-se ao narcotráfico. Na subida do morro, às milícias.
Solução que não dispõem sequer os candidatos a prefeito que insistem em fazer campanha nas favelas, a maior parte repelida ou sujeita a pedir licença aos dois lados. É a falência do estado de Direito.
Guerra aberta
Demorou pouco. A ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, deflagrou as hostilidades. Não contra seu sucessor, Carlos Minc, mas contra o ministro do Futuro, doublé de coordenador do programa Amazônia Sustentável, Mangabeira Unger.
Afirmou a senadora, em artigo assinado na imprensa, que Mangabeira exprime um retrocesso e uma contradição, falta ao respeito com a sociedade, o Congresso e o governo quando declara não serem para valer as leis de proteção ao meio ambiente, feitas apenas para enganar os estrangeiros.
Como Carlos Minc, mesmo em silêncio, joga no time de Marina Silva, humilhados que foram pela transferência de suas atribuições ao ministro do Futuro, caracteriza-se mais um racha no governo. Guido Mantega, ministro da Fazenda, e Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, andam às turras. O mesmo acontece com Tarso Genro, ministro da Justiça, e Nelson Jobim, ministro da Defesa.
Reinhold Stephanes, ministro da Agricultura, bate de frente com Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores. Edison Lobão, ministro de Minas e Energia, enfrenta Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil, acolitada pelo presidente da Petrobrás. Entre outras seqüelas.
A gente se pergunta quando o presidente Lula dará ordem unida ao seu batalhão, se é que tudo não faz parte de sua estratégia, aquela do dividir para reinar. Pode ser se for, depois de conhecidos os resultados das eleições de outubro...
A grande surpresa
Em política, as coisas mudam, mas, no reverso da medalha, muitas vezes continuam até o fim como apareceram. Um dos maiores fenômenos das campanhas municipais, até agora, tem seu epicentro em Belo Horizonte. A candidata Jô Moraes, do PC do B, lidera desde o início as pesquisas para a prefeitura da capital mineira. Nada indica mudanças, pelo contrário, crescem seus percentuais de preferência populares.
Apesar de todo o apoio político e financeiro, o candidato Márcio Lacerda permanece amargando um terceiro lugar. Tem resultado em nada o apoio do governador Aécio e do prefeito Pimentel, mais a aliança do PSDB com o PT.
A crônica tem registrado essas surpresas, desde que Jânio Quadros venceu a primeira disputa pela prefeitura de São Paulo, batendo todos os grandes partidos da época na campanha do "tostão contra o milhão". Pode acontecer a mesma coisa em Belo Horizonte, enganando-se quem supõe que o início da propaganda eleitoral gratuita mudará tudo. As telinhas e os microfones estarão abertos a todos.
Aém da Quarta Frota
A Quarta Frota da Marinha dos Estados Unidos não parece o maior problema que o Brasil enfrentará para afirmar soberania e interesses numa das maiores reservas de petróleo encontrado no planeta, ao largo de nosso litoral. É claro que Dona Condoleezza Rice já abriu o jogo, dizendo que essa nova expressão do poder naval americano servirá para garantir o abastecimento de petróleo para o seu país. Mesmo assim, surgem obstáculos maiores e mais sutis.
Quando a exploração começar, e vai demorar um pouco, quem estará dirigindo os trabalhos? Se for a Petrobrás, é bom prestar atenção no fato de que 51% de suas ações encontram-se na Bolsa de Nova York, em mãos de seus investidores, graças à manobra de lesa-pátria praticada no governo do sociólogo. Caso não concordem com uma ação estatizante de nossa parte, poderão simplesmente exigir o ressarcimento imediato dos valores aplicados. Seria um desastre para a Petrobrás.
A idéia da criação de uma nova empresa estatal, defendida pelo ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, constitui uma tentativa de blindar a riqueza recém-descoberta. Por isso, encontra forte resistência, inclusive no governo. Enquanto o presidente Lula não decide, perdemos tempo.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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