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quarta-feira, junho 06, 2007

Opinião: Endemia da ladroagem

Jarbas Passarinho foi ministro, senador, governador e é escritor
Ao pregar diante de Dom João IV e sua corte, na Igreja da Misericórdia, o padre Vieira iniciou audaciosamente o sermão dizendo ser a Capela Real, e não aquela a que assomara, porque falaria de coisas atinentes à Sua Majestade Real e não de piedade, pois nem os reis podem ir ao paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar, com eles, os reis.
Louvado em São Tomás de Aquino e Santo Agostinho, vergastou os grandes que sabia ladrões, parte deles na Corte Real. Sem nomear quem quer que fosse, muitos que o ouviam sabiam ser seus alvos. Como vários santos trataram de ladrões protegidos pelos reis, advertiu: "O que vemos praticar em todos os reinos do mundo é, em vez de os reis levarem consigo os ladrões ao paraíso, os ladrões são os que levam consigo os reis ao inferno".
Concluídas as invectivas, disse estar respondendo a Sua Majestade, que lhe perguntava se havia ou não conveniência de unirem-se as duas capitanias, do Maranhão e do Pará, em um só governo ou em dois. Menos mal - disse ele - será melhor um ladrão que dois, já que é mais difícil achar dois homens de bem.
Temos, hoje, 27 governadores e 38 ministros de Estado. Padre Vieira teria de mudar seus exemplos, pensando quão difícil é indicar não dois, mas muitos homens de bem para assessorarem Suas Excelências, sem o receio de desagradáveis procedimentos que os levem, junto com os protegidos, ao inferno. Há que fugirem de tal futuro os três poderes da República, bem assim as organizações sindicais patronais, até de terceiro grau, a representar milhares de empresários.
O quadro atual da desalentadora corrupção, que parece endêmica, bem mereceria uma defesa de tese de doutorado, receita para prevenir, evitar e impedir que o inferno do padre Vieira venha a ter dificuldade de alojá-los, tantos são. A triste realidade brasileira pode ser objeto não das increpações substantivas do padre Vieira, mas as adjetivas de seu contemporâneo Souza Macedo, o verdadeiro autor de A arte de furtar.
Não temos reis para ouvir, ao lado de seus ladrões, fingindo não saber nada, mas render-se aos indícios escandalosos de desonra, de pérfido exemplo, sobretudo para os jovens. São tantos, de pertinente autoridade não honrada, que, parodiando Norberto Bobbio, já não despertam a "santa indignação" que os provocava o furto do dinheiro público.
Repetir-se-ia, séculos depois, a engenhosa imaginação de Machado ao comparar as diversas fraudes com a conjugação dos tempos e modos do verbo rápio, de que derivam nosso rapinar e o substantivo rapina. Furtam pelo modo indicativo presente, quando, noviços, louvam os veteranos nas lições de como furtar nas licitações; pelo modo imperativo, mandando terceiros receber a propina depositada nos bancos ou no cofre das secretárias dos grandes empresários, e especialmente o imperativo negativo, ao bradarem, ofendidos, nunca terem recebido propina nem conhecerem sequer o propinador; pelo conjuntivo, lobistas experientes, que conjuntam a sua argúcia ao cabedal de magistrados, negociando suas sentenças, ou ao parlamentar zeloso e habilidoso a aprovar emendas para obras em que tem generosa participação e, descarado, ainda tenta chantagear o governo a cuja bancada pertence; pelo modo permissivo porque permitem que se furte, desde que se reparta o furto; pelo modo infinitivo, quando acha pouco e pede mais; e finalmente furtam pelo modo mais-que-perfeito, construindo pontes que ligam o nada ao nada coniventes com governador.
Mas o que essa novela Gautama mais estranha são os substantivos cuja significação varia com a mudança do gênero, em que Zuleide muda em Zuleido, original na troca e nada original na arte de furtar. Tantos se anteciparam, a ele, como os graúdos petistas, por exemplo, que surrupiaram, através de um intermediário experimentado na profissão de fraudador, muitos milhões de reais e quase mais ninguém se lembra disso. Talvez porque foram modestos e não furtaram o bilhão e meio de reais que o masculino de Zuleide amealhou em inocentes relações com seis ministérios e dezenas de honestos representantes de nosso povo.

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